ATA NOTARIAL DE CONVERSAS DO WHATSAPP E SIMILARES

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Artigo – Felipe Leonardo Rodrigues

O articulista discorre sobre a importância da ata notarial como prova pré-constituída com fé pública (art. 405, CPC) sobre a existência de conversas ou conteúdos de uma conversa do WhatsApp ou outro sistema de mensagens instantâneas como Telegram ou Signal

A ata notarial de conversas no whatsapp e em aplicativos similares tem uma grande importância probatória. 

Este é um assunto em voga, com algumas nuances técnicas. 

Aplicando as regras apresentadas a seguir, a atuação notarial protegerá os direitos fundamentais. Ainda que alguns defendam a necessidade de uma regulamentação específica, entendemos que as atuais normas já permitem a ação notarial para a captação de conversas do whatsApp.

Atualmente, existem serviços na internet, uma espécie de autosserviço, nos quais o usuário contrata a plataforma, indica o que deseja capturar e a plataforma realiza o serviço (sem qualquer análise ou possíveis reflexos deletérios do conteúdo). Ao final, o aplicativo gera um hash (uma espécie de assinatura única de uma informação eletrônica) somado a outros atributos. 

Mas quando se trata de assuntos de interesse legítimo, a transcrição exata das conversas, a proteção de terceiros e o respeito às formalidades legais, nada como a expertise de um tabelião de notas, porque são profissionais que se dedicam a esse trabalho. Portanto, devem sempre agir conforme a própria lex artis.

O casuísmo excessivo deve ser evitado nesse tipo de ata e há uma série de regras gerais que permitem respostas positivas ou negativas, com ações e regras próprias na maioria dos casos. Essas regras são descritas a seguir.

Neste modesto artigo, estamos falando de uma prova pré-constituída com fé pública (art. 405, CPC) sobre a existência de conversas ou conteúdos de uma conversa do WhatsApp ou outro sistema de mensagens instantâneas como Telegram ou Signal. Claro que esta é uma questão delicada, pois pode afetar direitos fundamentais como o direito ao sigilo das comunicações e o direito à privacidade, ambos consagrados na Constituição Federal (art. 5º).

O sigilo das comunicações, trata-se de um direito fundamental, expressamente previsto no art. 5º, inciso XII:

“É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.

A proteção oferecida por este direito afeta e obriga aquelas pessoas que são estranhas à comunicação em questão, nunca os próprios participantes. Não há segredo de comunicação para aquele a quem a comunicação é dirigida.

O STF já decidiu que é lícita a gravação de uma comunicação por uma das partes, mesmo que a outra não tenha conhecimento (HC 85206). Igualmente, a conversa gravada por terceiros, a pedido de um dos interlocutores, nada tem de ilícita, segundo decidiu o STJ (HC 74678 / SP).

Do ponto de vista do tabelião, é essencial que não haja segredo para o remetente ou destinatário de uma comunicação no que diz respeito à própria comunicação em que estão envolvidos. 

Portanto, não seria possível admitir a solicitação desse tipo de ata por uma pessoa que não participa da conversa, pois violaria direitos de terceiros, devendo tal solicitação ser negada. Mas do ponto de vista do sigilo, não há nada de errado em aceitar pedidos de quem está na comunicação. Não basta que a pessoa seja a dona do telefone ou da linha em questão, mas deve fazer parte da própria conversa. Esta é uma diferença importante a ser observada, e a justificativa de que a pessoa é a dona da linha telefônica não é suficiente.

Outro direito fundamental é o direito à privacidade. A Constituição reconheceu o direito à privacidade como um direito fundamental, mas o conteúdo exato desse direito não está definido, é ainda bastante vago. Na verdade, não existe um conceito legal do que significa o direito à privacidade. O art. 5º, inc. X, dispõe:

“São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Os tabeliães de notas (e seus prepostos) no exercício da sua atividade profissional devem respeitar este direito e recusar pedidos de atas que constituam invasão ilícita da privacidade alheia. 

Não é fácil definir, em geral, se há violação de privacidade. Deve ser o bom senso e a sabedoria do notário, reforçados pelo conhecimento da jurisprudência e da doutrina existentes, considerando cada caso. 

No entanto, pode-se dizer que o direito à privacidade tem dois lados. O primeiro é a expectativa de que os fatos e os dados confidenciais não serão obtidos indevidamente. E segundo, aqueles que têm acesso a esses fatos e dados, mesmo que legalmente, não devem divulgá-los ao público contra a vontade ou interesses das partes envolvidas.

O acesso não autorizado aos dados, na esfera notarial, simplesmente não é possível, pois como já explicamos, o solicitante deve ser um dos interlocutores da conversa. Portanto, o acesso é legal. Mais complicado de interpretar é o segundo aspecto do direito à privacidade, que é impedir que uma pessoa que teve conhecimento lícito dos fatos ou dados os divulgue, ou use contra a vontade do titular.

Todos devem saber que o que escrevem ou transmitem nesses aplicativos está fora do seu controle e é possível a divulgação pelo destinatário. É notória a sua ocorrência constante em grupos de WhatsApp e similares. Portanto, quem quer proteger a sua privacidade nunca transmite dados por este sistema e sabe que está se expondo ao fazê-lo. Embora não tenham consentido expressamente com a divulgação, parece claro que o emissor deve ter em mente que tal divulgação pode ocorrer.

O argumento mais concreto é que o fato de autenticar determinada informação não implica revelação ou divulgação desta informação. Entendemos que deve haver sigilo ao protocolo (ato) notarial, de modo a impedir a divulgação de informações íntimas, questões relacionadas à criança e adolescente, dentre outras. 

Para tanto, o solicitante pode solicitar ao tabelião que expeça certidão somente às partes envolvidas, seu procurador ou autoridades. Caso algum terceiro insista no pedido da certidão, o tabelião submete tal pedido ao juiz corregedor, para análise e decisão sobre a plausibilidade do interesse. 

Reforçamos: a ata deve ser sigilosa, sendo a publicidade restrita apenas às pessoas envolvidas ou com interesse legítimo (autoridades, por exemplo). O que está em jogo, o que se deve proteger, é um direito constitucional, são garantias do Estado Democrático de Direito. 

São solicitantes das atas somente aqueles que estão envolvidos na conversa, tendo interesse legítimo para solicitar que um notário constate as conversas do WhatsApp e similares. Quando se trata de aspecto íntimo, o conteúdo exige descrições mais difíceis e específicas, mas não impossíveis de serem superadas. Isso também deve ser declarado na ata. O tabelião deve ter disposição intelectual em constatar a situação fática em minúcias, o que pode ser trabalhoso.

Em situações que refletem fatos que constituem possíveis infrações penais, o tabelião deve ter prudência e avaliar a possibilidade legal de autorizar este tipo de ata, informando, no caso concreto, a necessidade de o solicitante recorrer à autoridade policial ou ao Ministério Público.

Nesse tipo de ata, o notário deve realizar várias verificações para confirmar a regularidade do pedido: que a linha telefônica seja do solicitante, apresentando a fatura telefônica; identificar corretamente o aparelho celular (marca, modelo), o número IMEI (International Mobile Equipment Identity), para identificar com precisão o dispositivo apresentado. Se necessário, deve identificar o número do cartão SIM ou ver o número do telefone (exibido no próprio aplicativo de mensagens).

Quanto ao conteúdo, podem ser constatados não só texto, mas também imagens e a transcrição ou descrição de vídeo, ou áudio. Aliás, é frequentemente solicitada a transcrição de arquivos de áudio trocados. Tais conteúdos, às vezes, revelam um fator humano de difícil constatação notarial, como é exemplo a captação do tom de voz do interlocutor, que por vezes pode ser crucial! A alternativa indicada, em caso de dúvida, além da transcrição, é fazer uma cópia fiel do arquivo, assinar digitalmente e vincular na ata, disponibilizando-o na nuvem ou num dispositivo portátil.

Assim como na transcrição de texto, o tabelião deve ter o cuidado de garantir que a situação fática retratada na conversa seja compreendida pelo destinatário da ata, mesmo que seja necessário avançar ou retroceder o período da conversa, para a situação ser bem refletida e compreendida na ata, sem aceitar eventual reclamação do solicitante de constatar apenas partes (que lhe interessam). O tabelião deve evitar a todo custo deturpar o significado do contexto.

Sempre foi e é uma ata trabalhosa. Há sites com o auxílio da inteligência artificial que degravam o conteúdo de áudio com precisão, facilitando a transcrição, o qual deverá ter a revisão final pelo notário.

Por fim, pode ser conveniente, não obrigatório, que o solicitante declare expressamente na própria ata, sob sua responsabilidade, que não adulterou o conteúdo da conversa. Textos ou arquivos trocados no WhatsApp, em tese, podem ser manipulados, mas dificilmente será realizado por um leigo. Exige profundo conhecimento e expertise técnica. Pode ocorrer que alguém, malicioso, apague algum elemento (texto, imagem, áudio, etc.) da conversa, alterando o contexto do diálogo. Contudo, a manipulação é sempre detectável em perícia.

(Da Redação, com conteúdo do  https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-notariais-e-registrais/391781/ata-notarial-de-conversas-do-whatsapp-e-similares. Imagem: Nação Notarial)