JON FOSSE É O PRÊMIO NOBEL DE LITERATURA 2023

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Autor norueguês era um dos favoritos nas casas de apostas; Companhia das Letras e Fósforo estão publicando livros seus no Brasil, e Tordesilhas lançou ‘Melancolia’

O escritor norueguês Jon Fosse venceu o o Prêmio Nobel de Literatura 2023. O anúncio foi feito na manhã desta quinta-feira (5), em Estocolmo, na Suécia.

Segundo a Academia Sueca, ele foi escolhido “por suas peças e prosa que dão voz ao indizível”.

No Brasil, neste mês de outubro, duas editoras brasileiras estão lançando livros de Jon Fosse – e a Tordesilhas já havia publicado, em 2015, Melancolia, com tradução de Marcelo Rondinelli. 

A Companhia das Letras colocou agora nas prateleiras das livrarias o romance É a Ales, traduzido por Guilherme da Silva Braga. Segundo a editora, o livro é “um romance hipnótico e inesquecível de um dos grandes nomes da ficção literária norueguesa. Livro vencedor do Norwegian Critic’s Prize e finalista do International Booker Prize”. E, agora, do Nobel.

A Fósforo acabou de anunciar a pré-venda de Brancura, traduzido por Leonardo Pinto Silva. “Neste breve romance em que a atmosfera onírica se mescla à transcendência”, diz a editora, “um homem começa a dirigir sem rumo e, desconhecendo as próprias motivações, conduz seu carro até uma floresta. Logo escurece e começa a nevar. Obedecendo à lógica trágica e misteriosa que opera nos pesadelos — ou no encontro inescapável com o destino —, em vez de procurar ajuda, ele decide se aventurar pela mata escura, onde se depara com um ser de brancura reluzente”. Brancura foi finalista do National Book Award.

Jon Fosse nasceu em 1959 na Noruega e recebeu inúmeros prêmios, tanto em seu país quanto no exterior. Sua estreia literária se dá em 1981, com a publicação do conto “Han” em um jornal estudantil. Dois anos mais tarde, lança Raudt, svart, seu primeiro romance. Desde então, tem se aventurado por diversos gêneros: romance, poesia, conto, ensaio, literatura infantil e teatro — com mais de quarenta peças encenadas em diversos países —, além de traduzir literatura estrangeira para o norueguês. Seus livros já foram traduzidos para mais de cinquenta idiomas.

Em 2011, Fosse ganhou do rei da Noruega o direito de viver permanentemente na Grotten, residência localizada no complexo do palácio real, em Oslo. A honraria é concedida a quem faz contribuições expressivas à arte e à cultura do país.

Segundo a Fósforo, a singularidade da voz de Fosse também se deve ao fato de que ele é um dos poucos autores a escrever em “neonorueguês, ou nynorsk” — variante minoritária da língua, uma compilação de dialetos falados sobretudo na costa da Noruega e criada em meados do século 19, durante o nacional-romantismo.

O comitê do Nobel ainda aponta que o autor tem muito em comum com um precursor na literatura do dialeto, Tarjei Vesaas. “Enquanto Fosse compartilha da perspectiva pessimista dos seus antecessores, sua visão particular e gnóstica não resulta numa compreensão niilista do mundo. Ao contrário, há muito humor e cordialidade em seu trabalho, e uma vulnerabilidade inocente às suas imagens decididas da experiência humana”.

De acordo com o presidente do Comitê do Nobel, o crítico sueco Anders Olsson, Fosse “apresenta situações cotidianas instantaneamente reconhecíveis nas nossas próprias vidas. Sua redução radical da linguagem e ação dramática expressam as emoções humanas mais poderosas de ansiedade e impotência, nos termos mais simples”.

Para o tradutor Leonardo Pinto Silva, a Academia premiou merecidamente um artífice da literatura. “Se outros prêmios de anos passados tiveram um importante componente geopolítico que transcendia o meramente literário, sem demérito deste, este ano foi o engenho literário que prevaleceu”, diz ao PublishNews. “Fosse já vinha sendo cotado para o prêmio há anos, mas acabava sempre preterido. Vale ressaltar que ele é dos poucos grandes nomes que escreve numa variante minoritária do norueguês, o nynorsk, o que reveste sua prosa de uma oralidade e de uma amplitude criativa que talvez não fosse possível caso ele escrevesse no bokmål (a vertente majoritária da língua, à qual recorrem desde Ibsen até Knausgård). Um prêmio realmente merecido para um escritor que só agora começa a ser melhor conhecido aqui”.

‘Melancolia’, ‘É a Ales’, ‘Brancura’

Em Melancolia – publicado por aqui pela Tordesilhas, em 2015 – o personagem Lars Hertervig é um jovem norueguês quaker de origem pobre. Graças à ajuda de um mecenas, estuda arte em Düsseldorf, na Alemanha, mas padece com terríveis inseguranças, obsessões sexuais e delírios incapacitantes. “Em uma prosa hipnótica, magnética, o dramaturgo e escritor norueguês Jon Fosse descreve em Melancolia um dia de crise e a sua repercussão anos mais tarde na vida do próprio Hertervig – e mais de um século depois na vida de um escritor inspirado pela obra do artista, que existiu de fato”, diz o texto da edição.

A sinopse de É a Ales (Companhia das Letras) é a seguinte: “Signe está deitada em um banco de sua casa no fiorde e tem uma visão de si mesma há mais de vinte anos: parada na janela esperando por seu marido Asle, no fatídico dia de novembro quando ele saiu com seu barco e nunca mais voltou. Suas memórias se ampliam para incluir a vida do casal e mais: os laços de família e os dramas que remontam a cinco gerações, até Ales, a trisavó de Asle. Na prosa vívida e alucinante que fez de Jon Fosse um dos mais destacados autores contemporâneos, esses momentos – assim como os fantasmas do presente e do passado – coexistem no mesmo espaço. É a Ales é uma obra-prima visionária e oferece uma reflexão assombrosa sobre o amor, a perda e o legado de nossos antepassados”.

Já a Fósforo lembra que Fosse é considerado um dos maiores escritores europeus da atualidade, frequentemente comparado a Beckett, Ibsen e Bernhard. “Fosse é dono de uma vasta obra que se debruça sobre questões existenciais como a morte, o amor, a fé e o desespero”, escreve a editora no material de Brancura. “Sua escrita é construída de modo a replicar o ritmo e a repetição de uma oração, e a precisão obsessiva de seu trabalho fez com que ele ultrapassasse os limites do estilo para forjar algo próximo de uma nova forma literária, na qual a relação com a metafísica vai além do conteúdo, inscrevendo-se também na composição formal. Por isso, a experiência de ler seus livros é comparável à da meditação”.

Diferenças do dialeto

O tradutor Leonardo Pinto Silva – recentemente premiado em um evento da agência de fomento literário da Noruega – explicou, a pedido do PN, a diferença entre os dialetos noruegueses nynorsk (usado por Jon Fosse) e o bokmål (usado por escritores como Ibsen e Knausgard).

“O norueguês tem duas variantes. A majoritária é o bokmål, língua dos livros, que descende direto do dinamarquês e foi a língua que Ibsen até Knausgård usam. No século XVII, nacional-romantismo, um sujeito chamado Ivar Aasen decidiu fazer o mesmo que os Grimm fizeram na Alemanha e percorreu a acidentada costa norueguesa pra compilar os inúmeros dialetos que eram falados ali. Alguns eram remanescentes do norreno (nórdico antigo), a língua que praticamente hoje se fala na Islândia. Outros eram mais próximos do dinamarquês”, explica.

“Dai ele muito inclusivo resolveu ‘tirar uma média’ e, ao contrário dos Grimm, que só escreveram histórias e fizeram um dicionário, ‘inventou’ um idioma, que batizou de nynorsk, neonorueguês. Que de novo não tem nada, é até mais antigo que o bokmål. Algumas palavras ele fazia assim: pegava o radical e forjava uma nova palavra. Como se eu recorresse ao latim pra inventar uma palavra que fosse aceita de norte a sul do Brasil. Funciona? Sim e não. Ninguém fala o nynorsk como é escrito. Soa artificial. Mas oralmente é o que se fala no dia a dia. Na Noruega, exceto em Oslo, o que acaba se falando é uma ou outra variante mais próxima da língua A ou da B… E elas são absolutamente inteligíveis. São diferenças mais discretas do que estruturais”, completa Leonardo.

O Prêmio Nobel de Literatura

Em 2018, após acusações de abuso sexual e corrupção no seu comitê, o Prêmio Nobel de Literatura não foi entregue. Para compensar, em 2019 escolheu dois autores, o austríaco Peter Handke – que gerou críticas – e a polonesa Olga Tokarczuk. Já em 2020, a escolhida foi a poeta americana Louise Glück. Em 2021 levou o tanzaniano Abdulrazak Gurnah, e em 2022, Annie Ernaux.

(Fonte: Publishnews. Imagem: Capas dos livros de Jon Fosse publicados no Brasil | © Tordesilhas, Companhia das Letras, Fósforo)