IMAGEM FEITA POR SEBASTIÃO SALGADO É UMA DAS 25 QUE DEFINEM A ERA MODERNA
Foto de Sebastião Salgado está entre as 25 imagens que melhor definem a ‘era moderna’, publicadas no NY Times e que melhor capturaram e transformaram o mundo há quase 70 anos.
O The New York Times acaba de publicar, em sua revista, uma seleção de 25 fotografias escolhidas por “um grupo de especialistas” entre imagens publicadas pela revista há quase 70 anos. Eles se reuniram para definir as que “melhor capturaram — e transformaram — o mundo desde 1955” e, entre elas, está uma das mais icônicas produzidas pelo brasileiro Sebastião Salgado.
Não foi uma das belíssimas fotos que ele fez da Amazônia, apresentadas em exposição no Brasil (como contamos aqui) e países da Europa (foto acima), mas uma das imagens da série que Salgado produziu numa área de garimpo em Serra Pelada, no Pará, em 1986, durante 33 dias, publicada pelo jornal no ano seguinte.
“Um dos aspectos mais marcantes das fotografias de Sebastião Salgado em uma mina de ouro a céu aberto no Brasil é a escala”, relata o escritor e crítico de arte Emmanuel Iduma, que assina o texto de apresentação da imagem (leia na íntegra no final deste post).
“Milhares de homens — seus corpos curvados e frágeis — são representados em miniatura contra o plano de fundo de uma enorme cova na terra”.
Iduma ainda chama a atenção para o fato de que Salgado não incluiu o horizonte no quadro: “O espectador não consegue ver onde termina a jornada perigosa dos trabalhadores”. É aflitivo.
E destaca que o trabalho de Salgado revela “uma corrida do ouro do final do século 20 e as condições terríveis enfrentadas por aqueles no fundo dela”.
SEM SENTIMENTO DE CULPA
Ao citar trabalhos posteriores ao de Serra Pelada — poços de petróleo em chamas no Kuwait, o genocídio no Ruanda e a destruição da floresta amazônica —, o escritor lembra que os críticos rotulam o fotógrafo brasileiro de “esteta da miséria” porque cria “imagens visualmente marcantes” com “a situação dos pobres e marginalizados”.
E, de certa forma, o intelectual sai em sua defesa ao citar a resposta que ele deu ao jornal britânico The Guardian, em entrevista que celebra seus 80 anos:
“Eu vim do terceiro mundo. Quando nasci, o Brasil era um país em desenvolvimento. As fotos que tirei, tirei do meu lado, do meu mundo, de onde venho… A falha que meus críticos têm, eu não tenho. É o sentimento de culpa”.
Em 2019, portanto mais de seis décadas passadas, Salgado revisitou a série por incentivo de Lélia Wanick Salgado, sua companheira, e escolheu 56 fotografias – 31 delas inéditas – para a exposição Gold: Mina de Ouro Serra Pelada, em São Paulo (como contamos aqui). A curadoria e a cenografia foram assinadas por Lélia, como em todas as exposições do fotógrafo.
Naquele ano, a mostra seguiu para Estocolmo (Suécia), Tallin (Estônia), Londres (Inglaterra) e Fuenlabrada (Espanha).
PACIÊNCIA, PERSEVERANÇA E ARTE
Sebastião Salgado esperou seis anos para que as autoridades da ditadura militar o autorizassem a visitar Serra Pelada, a maior mina a céu aberto do mundo.
Sua paciência e perseverança foram recompensadas com o trabalho que o consagrou como fotógrafo de realidades que incomodam, que ele transforma em arte.
Imagine o impacto causado, no final dos anos 80, pelas imagens em preto e branco de dezenas de milhares de homens sujos de lama, enfileirados, carregando sacos pesados e subindo e descendo escadas que pareciam não acabar ou que desabariam a qualquer momento!
Serra Pelada chegou a receber 50 mil garimpeiros. Enfeitiçou não apenas aventureiros e pobres, mas também advogados, médicos e outros profissionais, que abandonaram suas casas e famílias e cruzaram o país (se não, o continente) em busca do ouro e do sonho de enriquecer.
Dez anos depois, o ouro acabou. A enorme cratera cavada na montanha pela ganância humana virou um lago poluído e enfeiou a região.
Em boa companhia
Além de Sebastião Salgado (sua foto está em 18º lugar na lista da NYT), a seleção especial inclui imagens dos repertórios de mestres como Adam Broomberg & Oliver Chanarin, Alberto Korda e o icônico retrato de Che Guevara, Blair Stapp e o retrato de Huey Newton, líder do grupo Pantera Negra (1968), Carlijn Jacobs com a foto para a capa do álbum de Beyoncé (2022), Carrie Mae Weems, Cindy Sherman, David Jackson, Deana Lawson, Diane Arbus, Ed Ruscha, Ernest C. Withers, Eugene Smith com imagens da tragédia de Minamata, Gordon Parks, LaToya Ruby Frazier, Lee Friedlander, Malcolm Browne, Nan Goldin, Photo Archive Group, Richard Drew, Robert Frank, Staff Sgt. Ivan L. Frederick II, Stuart Franklin com o registro histórico de um chinês que se colocou na frente de tanques militares no massacre da Praça Tiananmen, William A. Anders para a NASA, com a primeira foto da lua, e Wolfgang Tillmans.
Texto de Emmanuel Iduma, na íntegra
“Um dos aspectos mais marcantes das fotografias de Sebastião Salgado de uma mina de ouro a céu aberto no Brasil é a escala. Vários milhares de homens – os seus corpos curvados e frágeis – são transformados em miniatura contra o pano de fundo de um enorme buraco na terra.
Nas fotos, a maioria dos mineiros está entrando ou saindo daquele poço, segurando ferramentas ou transportando sacos para cima e para baixo em escadas estreitas e encostas íngremes. Em vários planos, Salgado optou por não incluir o horizonte no enquadramento; o espectador não consegue ver onde termina a perigosa jornada dos trabalhadores.
O fotógrafo, que nasceu em Minas Gerais (que significa “minas gerais”) no Brasil, passou 35 dias em Serra Pelada, convivendo com os mineiros enquanto tirava essas fotos.
Quando foram publicados em 1987 na The New York Times Magazine, revelaram uma corrida ao ouro no final do século XX e as condições terríveis enfrentadas por aqueles que estão na base dela.
Nas quase quatro décadas desde então, Salgado capturou os poços de petróleo em chamas no Kuwait, o genocídio no Ruanda e a destruição da floresta amazónica.
Alguns críticos rotularam-no de “esteta da miséria”, aproveitando a situação dos pobres e desprivilegiados para fazer imagens visualmente impressionantes. Quando estas imagens são exibidas num contexto de belas-artes, o seu tamanho é tão grande que a pura estética das imagens ameaça eclipsar o ato de documentação.
Mas num perfil publicado no The Guardian este ano em comemoração ao seu 80º aniversário, Salgado respondeu: “Eu vim do terceiro mundo. Quando nasci, o Brasil era um país em desenvolvimento. As fotos que tirei, tirei do meu lado, do meu mundo, de onde venho… A falha que meus críticos têm, eu não tenho. É o sentimento de culpa”.
(Da redação, com texto de conexaoplaneta.com.br – Monica Nunes – 4/6/24 – , informações de NY Times – Foto: Sebastião Salado)