IPÊ COM 56 ANOS FOI PLANTADO POR PROFESSORA EM TERRENO DE ESCOLA
Um dos mais lindos e maiores ipês-amarelos de Brasília foi plantado por professora mineira há 56 anos
Conhecida pelo esplendor de seu céu azul, no outono e no inverno, Brasília fica ainda mais linda a cada floração de ipê: cada tipo (cor) floresce num período do ano. De julho a setembro – auge da seca na região -, são os ipês-amarelos (Handroanthus serratifolius) que “tingem” a cidade.
E aqui vale uma observação: por precisarem de pouca irrigação, os ipês já foram afetados pelas mudanças climáticas. Com a seca que assola o Brasil (em especial na Amazônia e na região central do país), os amarelos surgiram cerca de um mês antes do previsto e os brancos chegaram mais cedo também, disputando a atenção (falo disso mais adiante).
Qualquer um deles (roxo, rosa, branco – o mais efêmero -, amarelo ou verde) é um espetáculo que encanta moradores e visitantes e, também, internautas, que não têm o privilégio de vê-los ao vivo, mas aproveitam os registros lindos que muita gente oferece dessa espécie maravilhosa, nas redes sociais.
“Fazia tempo que não via tantos exemplares floridos!”, exclama o advogado Matheus Ferreira, se referindo aos ipês-amarelos no post em seu Instagram Árvores do Cerrado, no qual conta sobre o legado ambiental da professora mineira Cláutenes Mourão de Oliveira, que até hoje impacta moradores – adultos e crianças – na Metropolitana, em Brasília.
A professora e o ipê
No início dos anos 60, Cláutenes era uma jovem professora de 17 anos, que chegava de Bambuí, em Minas Gerais, à Metropolitana para lecionar no Centro Educacional – Núcleo Bandeirante, na SQN 203/204 da Asa Norte.
Ela havia sido contratada para dar aulas para seus primeiros alunos, filhos de pioneiros que ajudaram a construir Brasília.
Metropolitana é uma das regiões que abrigaram os primeiros trabalhadores contratados para erguer a nova capital na década de 50. Pensado inicialmente para ser um acampamento temporário (que seria derrubado com a inauguração de Brasília), se consolidou como um setor permanente.
Em 1968, a professora plantou uma muda de ipê-amarelo no terreno da escola pública, próximo à calçada. “Ela dizia que a floração do ipê-amarelo no mês de agosto era seu presente de aniversário”.
De 2015 pra cá, todo ano, quando o Ipê se enche de flores, o advogado fotografa a árvore frondosa de vários ângulos (filma também) e conta a história de Cláutenes, reverenciando a atitude amorosa da professora e a existência de ser tão majestoso.
“A árvore passou por poucas podas, então tem esse aspecto gigantesco e arredondado”, conta Matheus. “A professora já não está mais entre nós. Hoje, seus alunos são pais e avós, mas ela deixou uma bela marca para a escola e para toda a cidade”.
Ele ainda comenta que, certamente, Cláutenes “não tinha noção do tamanho (em todos os sentidos) que a árvore alcançaria e de quantas pessoas no Brasil e no mundo seriam impactadas pela grandiosidade e beleza desse seu legado!”. E finaliza: “É o exemplo perfeito de como um simples ato de amor frutifica e impacta várias gerações”.
Sim, é bem provável que ela não tivesse ideia do impacto que causaria na vida de tanta gente com a presença e a beleza desta árvore frondosa, que exibe galhos e flores que dançam com o vento para quem passa na calçada. Mas certamente amava a natureza e deve ter passado esse amor para seus alunos que, hoje, são mães, pais, avôs e avós.
O muro da escola foi pintado por alunos em homenagem à professora inesquecível, que faz parte da memória da escola. Repare que há uma dedicatória ao lado esquerdo da árvore, na qual eles escreveram: “Obrigado professora Cláutenes pelo amor, dedicação e pelo ipê!”, que é considerado um dos mais lindos e maiores de Brasília.
Por fim, Matheus revela que detalhes da história de Cláutenes lhe foi contada por parentes e ex-alunos “e é impressionante como todos com quem falei lembram dela com muito carinho e saudades”.
Sua curiosidade em conhecer mais sobre a professora o levou a livros como “Patrimônios Subterrâneos em Brasília, de José Walter Nunes” e ao episódio Metropolitana, da série Nossa História, Nosso Patrimônio, disponível no YouTube (assista a um trecho deste vídeo no segundo post de Matheus no Instagram, que reproduzo no final deste texto).
Ipê: cartão-postal de Brasília
Exuberantes, os ipês são cartão-postal de Brasília, apreciados por brasilienses e turistas, que registram sua perfeição em fotos, fazem selfies em frente a árvore ou simplesmente aproveitam para relaxar e até tirar um cochilo sob sua sombra.
Como já contei acima, essa espécie necessita de pouca água e, por isso, se adapta muito bem ao clima seco da capital federal. Ainda mais este ano, quando a seca se intensificou muito antes do normal, como efeito das alterações do clima (leia o texto do jornalista Claudio Angelo sobre o tema, que reproduzo a seguir).
Segundo a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap), órgão responsável por cuidar das árvores do Distrito Federal, atualmente, existem mais de 600 mil pés de ipês das cinco cores (roxo, rosa, amarelo, verde e branco) plantados.
Só no Plano Piloto são mais de 25 mil e a maior quantidade está nos eixos Norte/Sul.
As cores obedecem a uma ordem de floração, que se estende de junho a novembro, começando pelo roxo e rosa, seguido pelo amarelo e, por último, o branco. O verde floresce (suas flores se confundem com as folhas) apenas no mês de setembro. Quer dizer, isto quando em condições climáticas normais.
Ipês brancos: lindos, mas não trazem boas notícias
Matheus destacou a florada exuberante de um grupo de ipês brancos em Brasília E, navegando pelo Instagram, me deparei com outra linda foto das flores de um ipê branco, bem aproximadas, que me chamou a atenção (foto abaixo).
Parei para ler o texto, de autoria do jornalista Claudio Angelo, coordenador de comunicação do Observatório do Clima. Ele explica – com ironia e bom humor – por que a florada do ipê branco não é uma boa notícia neste momento.
Ele começa assim: “E chegou a florada do ipê branco. Fugaz, deslumbrante, perfumada e com um recado para o brasiliense: ‘VOCÊ TÁ F….!’.
Nos lembra que o ipê branco “é o último do inverno a dar flor” e que “dá o melhor de si sob estresse máximo: a florada acontece quando o solo está completamente seco”. “Nos anos bons”, diz ele, isso acontecia no “final de setembro, logo antes ou logo depois da primavera”, marcando “o pico da seca”, mas também sinalizava o seu final. Isto, “antes da mudança do clima”.
E Angelo explica: “Em 2024, a florada do ipê branco está acontecendo no comecinho de setembro, antes de caírem as flores do amarelo. A seca deste ano no Cerrado já dura mais de 120 dias e não há fim à vista. Previsão de chuva, quem sabe, para a primavera; regular, mesmo, a partir de novembro”.
E Ironiza: “A fenologia” [estudo da época de ocorrência de fenômenos naturais repetitivos, como os eventos biológicos cíclicos, em relação ao clima] “foi enganada pela climatologia e o que era pra ser o ápice virou mais um degrau numa escalada que promete ainda ser muito sofrida”.
O resultado desse cenário, como ele escreve, “estamos vendo no ar, sentindo na pele e nos horrorizando nos dados do Inpe: recorde de queimadas na Amazônia desde 2005, no Cerrado desde 2012 e no Pantanal desde sempre”. Leia o texto na íntegra neste link.
Vídeos
Abaixo, assista ao vídeo do ipê-amarelo plantado pela professora Cláutenes e produzido por Matheus Ferreira na semana passada .
Assista o vídeo clicando em Árvores do Cerrado | O Ipê-amarelo (Handroanthus serratifolius) da Metropolitana floresceu e sempre faço questão de registrar não apenas as belas imagens, mas… | Instagram
(Da redação, com conteúdo de conexaoplaneta.com.br – Monica Nunes – 4/9/24 -Foto: Matheus Ferreira/Árvores do Cerrado – Repare na mensagem de agradecimento dos alunos da escola pública à professora, no canto esquerdo no muro: “Obrigado professora Cláutenes pelo amor, dedicação e pelo ipê!”)