HISTÓRIA DE COTIA – SEPULTAMENTOS NA COTIA COLONIAL
Antonio Melo, para o Cotiatododia
Hoje vamos continuar publicando os estudos do padre Daniel Balzan, ex-pároco de Cotia e que fez um brilhante trabalho de levantamento da história da nossa igreja nos livros da paróquia e da Mitra Arquidiocesana.
Os sepultamentos mostram um aspecto interessante da história de nossa cidade. De acordo com o poder monetário ou a irmandade a que o falecido pertencia, seu local de sepultamento era mais ou menos privilegiado.
Vamos ao artigo.
OS SEPULTAMENTOS NA FREGUESIA DE COTIA
(Padre Danel Balzan)
“Onde e como eram feitos os sepultamentos em Cotia na época do Brasil colonial?
Os Livros de óbitos mais antigos de Cotia registram quatro locais para os sepultamentos:
- a) a própria igreja matriz,
- b) o adro da igreja,
- c) o cemitério da igreja e
- d) as capelas da freguesia.
Quanto aos enterros na matriz, o Livro de Óbitos dos anos 1750-1775 fornece detalhes muito curiosos. Uns eram feitos “junto às portas das grades”, “abaixo do altar e do cruzeiro de N.Sra. da Conceição”, ou “junto à porta principal da igreja, para fora”. Outros, “de fronte ao púlpito”, “púlpito para baixo” ou “acima dos bancos”. Outros ainda, “junto à pia da água benta”, “capela divina”, ou “numa das sepulturas da Irmandade”.
Havia taxas estabelecidas para diversos sepultamentos. Essas taxas variavam de acordo com o local escolhido. Quanto mais perto do altar-mor mais cara ficava a cobrança. Quanto mais perto da porta da igreja, menos se cobrava! Ara, essas cobranças provocavam queixas seja da parte do vigário, seja da parte do fabriqueiro da igreja ou da própria família do falecido. Uma das coisas que inquietavam o Pe. Salvador de Camargo Lima, por exemplo, era justamente a questão da esmola a ser cobrada.
Querendo uma solução definitiva, o vigário apelou ao visitador Pe. Luiz Teixeira Leitão que visitava a freguesia de Cotia em novembro de 1761 e que baixou o seguinte decreto:
“Fui informado da grande confusão e variedade que há já quantidade de esmola que se deve dar pelas pessoas que são sepultadas nesta Igreja Matriz, levando uns fabriqueiros mais e outros menos, tudo procedido da falta de declaração que de devia fazer no livro do tombo, e desejando evitar aquelas… e que daqui em diante se observe sempre a mesma coisa. Ordeno e mando que o fabriqueiro leve portadas as pessoas maiores e menores que forem enterradas da porta da Igreja até as grades, duas patacas de esmola da sepultura, e das grades até o arco da Capela-mor dez patacas, pois este, se lança nos livros desta Igreja, ser o uso e costume estabelecido na sua criação. E o Rev. Vigário assim o fará cumprir pena se é estranhar na futura visita, na qual pagará também o fabriqueiro o prejuízo que houver causado por suas omissões” (Tombo de Cotia: 1728-1844, p.36v).
Cada uma das Irmandades (de Nossa Senhora dos Pretos, de Nossa Senhora da Conceição e a do Ssmo. Sacramento) tinha sepulturas próprias. Os irmãos falecidos eram sepultados com o hábito da própria irmandade ou simplesmente enrolados em pano branco e enterrados numa das sepulturas da irmandade, na presença dos demais irmãos conforme atesta o assentamento seguinte:
“Aos 5 de Dezembro de 1797, nesta freguesia faleceu Escolástica Maria de Jesus, casada com Silvestre Pedroso Colares, filha legítima de Luiz Pereira de Macedo, e do nome de sua mãe não me souberam informar, natural da cidade de São Paulo, de idade de 51 anos; recebeu todos os sacramentos, foi seu corpo envolto em o hábito de São Francisco, por mim encomendado e acompanhado, e por todas as irmandades desta freguesia, e sepultado numa das sepulturas da Irmandade do Santíssimo que lhe cedeu seu marido, por ser irmão, eremido já na mesma Irmandade, transferindo nela todo o direito para sempre, que tinha a tal sepultura. Não fez testamento. E de tudo para constar fiz este assento, que em ausência do Reverendo Pároco
Outros, por sinal, escolhiam de antemão o local da sepultura! Eis o que um certo senhor de nome Pedro Domingues da Fonseca deixou escrito no seu testamento:
“Ao 1º de setembro de 1755 anos faleceu da vida presente Pedro Domingues da Fonseca, casado com Sebastiana de Borba, com todos os sacramentos, de idade de setenta anos mais ou menos, com seu testamento em que deixa sete missas pela sua alma, três pela alma de sua irmã Bárbara Leme e Santos diversos, e assim mais um rapaz por nome Filipe, para com o valor dele se mandarem dizer seis capelas de missas segundo as intenções que no testamento declara, onde deixa por testamenteiro o seu irmão Francisco Leme de Barros, Miguel Soares e Manoel Pereira de Camargo. Foi enterrado junto à porta principal da Igreja para fora, segundo sua disposição; de que fiz este assento”. Pe. Antônio de Toledo Lara. (Livro de Óbitos de Cotia: 1750-1775, p.35).
Tudo leva a crer que os funerais na freguesia variavam de acordo com as condições econômicas e posição social da família. Quando, em 1759, faleceu o Capitão Ignácio Soares de Barros, pai do Pe. Fernando Lopes de Camargo, o funeral aconteceu com toda magnificência. Quatro cruzes acompanharam o enterro: a da Irmandade do Ssmo. Sacramento, a do Rosário dos Pretos, a da Boa Morte e a cruz das almas (cf. Inventários não-pulicados. Arquivo do Estado de São Paulo. ORDEM No. 670).
Além da própria matriz, os sepultamentos eram feitos no adro, ou seja, no espaço em volta da igreja, no cemitério anexo à igreja e nas diversas capelas da freguesia. O espaço interno da matriz era pequeno demais para abrigar todos os óbitos da freguesia. As crianças falecidas sem batismo e os adultos falecidos sem assistência sacramental eram enterrados no adro e no cemitério, pois, julgava-se na época, que pessoas falecidas em tais condições profanavam o recinto sagrado da igreja.
Nas capelas eram enterradas as pessoas que moravam longe do centro urbano ou “por não ter quem os conduzisse” até a igreja matriz:
“Aos 19 dias do mês de junho de 1750, faleceu da vida presente Grácia, escrava de Antônio da Rosa, e casada com Lucas, escravo do dito, sem sacramentos por morrer de repente, e foi sepultada na igreja de São João por não Ter quem a conduzisse a esta igreja, de que fiz este assento, dia, mês e era ut supra”- Pe. Patrício de Oliveira Cardoso. (Livro de Óbitos de Cotia: 1750-1775, p.3).
Por volta de 1791, surgiu na freguesia de Cotia, a varíola, vulgarmente chamada bexiga ou bexigas. Os faleciam desta moléstia eram enterrados em locais afastados:
“Aos 18 do mês de outubro de 1791, com licença benzi um cemitério perto desta freguesia, de fronte da Cruz das almas que está no caminho que vai para Sorocaba e perto de um pinheiro, para serem sepultados os corpos dos que falecerem de bexigas e males contagiosos para não infetar o povo todo. E para constar, fiz este termo que assino”.- o Vigário Fernando Lopes de Camargo. (Tombo de Cotia: 1728-1844, p.65v. Arquivo Metropolitano Dom Duarte Leopoldo e Silva).
A partir de 1867 os sepultamentos começaram a ser feitos no cemitério da vila.”
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