SPOILER DE “DEUS, DIGA LOGO O QUE QUER”, ROMANCE DE IGNACIO DE LOYOLA BRANDÃO

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O romancista, cronista e  autor de Zero, 1968 – O Ano que não terminou, Não verás país nenhum como este, entre outros,  já terminou o seu próximo romance.

O escritor Ignacio de Loyola Brandão deu um spoiler de como será o seu novo romance, “Deus, Diga Logo o Que Quer”, que, segundo ele, entregou à editora. Na sua crônica do Estadão, há algumas semanas, transcreveu trecho do livro, que tem tudo para ser mais um sucesso do autor:

Venha Neluce, corra ou vai perder. Venha logo! Está acabando. Não disse, meu amor, eles se foram. Os últimos negros do país. Para onde estão indo? Lembra-se como o Desatinado (seu nome é impronunciável) reclamava? ‘Não há como enterrar brancos, imaginem esses estranhos.’ Ele quer uma nação de brancos, loiros e ruivos, de olhos azuis, saudáveis, bem armados. ‘Como um miserável vai segurar o fuzil? O coice acaba com ele!’, grita do seu cercadinho. Passaram por aqui aos milhares, não sei para onde vão. Gostam de dançar, beber cachaça, sambar. Trabalhar? Nada. Neluce. Você precisa sair desse quarto, meu amor. A vida acabou para você? Não tem interesse em nada? Onde está a minha Neluce?

À medida que foram desaparecendo as populações das comunidades, dizimadas por uma nova teoria, chamada Nada Está Acontecendo, com ninguém sendo vacinado por falta dos insumos, os habitantes que sobraram foram se amontoando em tendas, em acampamentos de sem-teto, sem auxílio fiscal, de refugiados da Ucrânia. Ali se fundiam às cracolândias, que crescem ‘desmesuradamente’, tanto prevarica essa gente, como disse o ministro do Bem-Estar Social. 

Tinham vacinado – garantiram – primeiro os indígenas, que por viverem longe, assegurava-se, sobreviveriam. Morreram todos, os garimpeiros se apossaram de suas terras. Agora miseráveis e como tem miserável neste país!, disse o ministro da Economia. Era tão bom quando essa gente não era vista, nem se sabia dela! Aliás, os sociólogos – vade retro – chamavam esses grupos de os invisíveis. Por anos conseguimos matar a fome deles, dizia ainda o ministro da Economia, lhes dando os restos de comida dos restaurantes e hotéis. Restos não só das cozinhas, mas também dos pratos, afinal os miseráveis não estavam vendo e agradeciam, assim como agradeciam os alimentos vencidos dos supermercados. Foi uma ação generosa do governo e de particulares. Todo garçom, maître, voluntário recolhe sobras dos pratos e panelas para enviar àqueles que um filho do Desatinado – o que nos governa – denominou Turbas Esfomeadas Que Denigrem o País. 

Agora, resta aguardar o lançamento, que deverá ser feito ainda neste ano. 

Ignácio de Loyola Brandão

Indígenas do Acampamento Luta Pela Vida fazem ato contra o novo Marco Temporal, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Foto: Gabriela Biló / Estadão

Chegou a vez dos negros, encaminhados à vacinação com vacinas vencidas ou com água sanitária nas seringas, o que provocava enjoos, convulsões estomacais, até a pessoa se desfazer em vômitos que escorriam nas sarjetas”.

* Ignácio de Loyola Brandão é escritor, autor de Zero e Não Verás País Nenhum