200 LIVROS PARA ENTENDER O BRASIL DE HOJE

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Lista da Folha com sugestões de obras para compreender o cenário brasileiro atual reflete discussões na ordem do dia, como as questões negra e indígena, mas não é, nem pretende ser, uma lista dos maiores livros publicados no Brasil

Opinião – Publishnews

A Folha de S.Paulo publicou em sua edição de 5 de maio um caderno especial com o título “Conheça 200 importantes livros para entender o Brasil”. O jornal ouviu 169 intelectuais, entre historiadores, sociólogos, antropólogos e romancistas, para acolher sugestões e elaborou um ranking para ser publicado.

A lista é liderada por Quarto de despejo, de Carolina Maria de Jesus [foto]. O resultado já indica a principal orientação ideológica que domina a relação de obras, com um grande número de livros que discutem a questão racial.

Um levantamento desse tipo permite múltiplas discussões, mas a que parece ser mais urgente é uma clara falta de entendimento da proposta, demonstrada em muitos e muitos comentários sobre o caderno em redes sociais, desde as primeiras horas da manhã.

Não se trata de uma lista dos melhores ou dos maiores livros já escritos no país. Quem votou não teve essa determinação a seguir. Aliás, “votar” nem se encaixa como a palavra certa para definir o que é na verdade uma lista de sugestões. Não há, ou pelo menos não deveria haver, um critério de excelência literária. O objeto de análise não é a qualidade inerente de cada obra, mas sim seu relacionamento com as questões que mais são debatidas no Brasil de hoje.

Assim, é uma decorrência esperada, e óbvia até, que a lista traga textos que discutam questão racial, de gênero ou indígenas, que reúnam elementos sobre a formação das distinções sociais no país, ou o impasse político que trouxe o Brasil a uma disputa eleitoral restrita a dois únicos candidatos com efetiva chance de vitória.

Os dez primeiros colocados da lista são esses:

  1. Quarto de despejo (1960), de Carolina Maria de Jesus
  2. Grande sertão: veredas (1956), de Guimarães Rosa
  3. A queda do céu (2015), de Davi Kopenawa e Bruce Albert
  4. Raízes do Brasil (1936), de Sérgio Buarque de Holanda
  5. Casa grande e sem sala (1933) de Gilberto Freyre
  6. Memórias póstumas de Brás Cubas (1881), de Machado de Assis
  7. Um defeito de cor (2006), de Ana Maria Gonçalves
  8. Macunaíma (1928), de Mário de Andrade
  9. Vidas secas (1938), de Graciliano Rmos
  10. Brasil: uma biografia (2015), de Lilia Schwarcz e Heloisa Starling

Títulos como Grande sertão: veredasMemórias póstumas de Brás CubasMacunaíma e Vidas Secas entrariam sem ruídos em qualquer lista honesta sobre os maiores livros já escritos no país. Assim como os estudos seminais Casa grande e senzala e Raízes do Brasil. Mas a liderança de Quarto de despejo e a ótima colocação de Um defeito de cor são a ponta do iceberg da questão racial que domina a lista. Da centena de obras, 48 delas são livros que tratam a condição do negro do Brasil. E 16 são ligados à questão indígena, outra discussão na pauta do dia.

Assim, a lista da Folha é um reflexo dos embates atuais. Inclui livros recentes, alguns publicados no ano passado, que ainda deverão passar por revisões futuras para atestar seu verdadeiro papel no campo das ideias.

Mas Facebook, Instagram e Twitter têm inúmeras mensagens de gente falando do caderno especial, pedindo mais esse ou aquele autor, numa lista que, compilada, escalaria nomes com Clarice Lispector, Nelson Rodrigues (dois que estão na lista), Fernando Gabeira, Fernando Morais, Paulo Coelho e, pasmem, Felipe Neto.

É preciso compreender que 106 títulos que estão na lista são sugestões solitárias de um dos participantes da enquete. O senador paraense Randolphe Rodrigues, por exemplo, indicou Chove nos campos de cachoeira, escrito em 1941 por Dalcídio Jurandir (1909-1079), romancista de grande produção, mas certamente pouco conhecido entre a maioria do público leitor.

Convém encarar a lista como ela nasceu na pauta do jornal: sugestões de leitura agradável e relevante. Sem espaço para discutir méritos de autores ou memória afetiva dos leitores, sem fla-flu de Machado x Graciliano ou Clarice x Lygia.

(Com conteúdo de 200 livros para entender o Brasil de hoje | PublishNews)

Carolina Maria de Jesus, autora de “Quarto de Despejo”