AMAZÔNIA: PARQUE CRISTALINO PERDEU MAIS DE 5 MIL HECTARES PARA O FOGO
O Parque Estadual Cristalino I e II, uma das regiões mais biodiversas do país, já perdeu mais de 5 mil hectares, para o desmatamento e o fogo. Fuligem produzida pela queimada chegou a Santa Catarina
Faz um mês que o Parque Estadual Cristalino II, localizado entre os municípios de Alta Floresta e Novo Mundo, no norte do Mato Grosso, vem sendo destruído por desmatamento e queimadas.
O fogo começou em 13 de agosto, numa área de 800 hectares, devastada a mando de Antônio José Junqueira Vilela Filho, o maior desmatador da floresta amazônica, e rapidamente se alastrou, devorando cerca de 4 mil hectares de seus 118 mil hectares.
Moradores no entorno do parque contaram que, nesse dia, viram um avião aterrissar no parque e que, logo depois que levantou voo, o fogo começou. Mas a destruição não parou por aí.
De acordo com o Observatório Ambiental do Mato Grosso (ObservaMT), o fogo avançou no Parque Estadual Cristalino I (que tem 66.900 hectares) e, assim, já consumiu mais de 5 mil hectares da unidade de conservação que reúne os dois Cristalinos, totalizando 184.500 hectares.
O incêndio criminoso também atingiu 1.800 hectares em seu entorno, onde ficam propriedades rurais e moradias.
“Estamos tentando salvar o parque e as propriedades rurais no entorno, mas não temos brigadistas e equipamentos adequados, como, por exemplo, aeronaves. Por isso, aguardamos reforços do governo de Mato Grosso”, declarou Ângela Kuczach, bióloga e coordenadora da Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação (Rede Pró-UC).
O corpo de bombeiros diz que o fogo está controlado, mas não é verdade: devora, todos os dias, mais um pouco da natureza exuberante do Cristalino. A Rede informou que, até 11 de setembro, “não foi registrada a presença de instituições públicas de defesa do meio ambiente no combate ao fogo”.
Indignação e tristeza
Durante alguns dias – a partir do feriado de 7 de setembro – Ângela esteve no sul da Amazônia para acompanhar de perto o avanço do desmatamento e dos incêndios florestais na região. A fumaça lá produzida está cobrindo o centro-oeste, o sudeste e já chegou ao sul do Brasil.
Após se deparar com um “cenário de guerra” no Refúgio de Vida Silvestre Rio São Benedito e Azul, no sul do Pará – onde “a floresta virou pó” -, a bióloga sobrevoou a região do Parque Estadual Cristalino II, no último sábado, 9 de setembro.
Em vídeo – divulgado em suas redes sociais e nas da Rede – ela mostra a situação desesperadora do Cristalino, revelando indignação e muita tristeza (assista no final deste post).
“O que se vê, aqui de cima, é muita fumaça e fogo dentro da área do parque. Estão queimando floresta amazônica. A gente está trocando área protegida da Amazônia por um deserto. A área foi desmatada e agora está sendo queimada. É inadmissível!”, disse, muito emocionada.
CRIME E ILEGALIDADES
O Parque Estadual Cristalino I e II engloba uma área que deixou de ser propriedade da União entre 2001 e 2002, quando as terras foram doadas para o Estado do Mato Grosso devido ao compromisso do então governador Dante de Oliveira em estabelecer uma unidade de conservação com a criação do parque.
Mas, agora, enquanto a Rede Pró-UC e organizações parcerias lutam para evitar que o fogo se propague pelo parque inteiro, também se mobilizam para lutar contra uma ação movida na Justiça pelo desmatador José Junqueira, que ameaça a integridade do parque, colocando o Cristalino II à mercê da devastação e de ilegalidades.
O imbróglio começou há cerca de um mês, depois que o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) anunciou decisão judicial favorável a uma empresa agropecuária (um dos sócios é “laranja” de José), que reivindica a extinção do Cristalino II.
A ação foi iniciada em 2011. Nela, a empresa alegou que as exigências da lei federal sobre audiências públicas e estudos técnicos não foram cumpridas. Em primeira e segunda instâncias, seu pedido foi negado, mas ela não desistiu.
Recorreu ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) para que o processo voltasse ao TJMT para análise, onde parte dos desembargadores que analisaram o caso decidiram pela anulação do decreto que criou o Cristalino II.
O governo do MT, réu no processo, não recorreu da decisão e deixou o prazo legal (28 de abril) vencer, renunciando à defesa da área em última instância.
Edilene Amaral, consultora jurídica e de articulação do Observa-MT, destaca que o Ministério Público de Mato Grosso conseguiu reverter, em parte, a ação que deve ter ainda uma decisão final junto aos órgãos superiores de Justiça.
“Apesar do ganho jurídico que manteve ainda recorrível a decisão judicial do processo que tenta extinguir o Parque do Cristalino II, o que vemos é que, mesmo que pareça irreal, a possibilidade da extinção da UCestimula as ações criminosas de grilagem, desmatamentos e de incêndios florestais na região. O cenário piora com a inércia do Poder Público de combater essas práticas criminosas”.
Apesar do histórico de José Junqueira, o governador do Mato Grosso, Mauro Mendes, tem atuado a seu favor: recentemente, em público, questionou a manutenção do Cristalino II e reconheceu a necessidade de indenizar o grileiro.
O Parque Estadual Cristalino I e II é uma unidade de conservação de proteção integral, imprescindível para a proteção da Amazônia, uma das mais biodiversas desse bioma, que abriga espécies endêmicas e ameaçadas de extinção.
É habitat de 600 espécies de aves registradas, das 850 existentes em toda a Amazônia brasileira. Dessas, 25 estão oficialmente ameaçadas de extinção. Outra espécie única no mundo, que vive nessa região, é o macaco-aranha-de-cara branca (Ateles marginathus), símbolo do parque.
Além disso, a destruição do parque impactaria no fornecimento de água e na rota dos rios voadores, o que pode levar à redução drástica das chuvas das regiões centro-oeste e sul do país.
NÚMEROS ASSUSTADORES
O Mato Grosso responde por 30% das queimadas na Amazônia Legal. O norte do estado, onde fica parte do Arco do Desmatamento (atinge Pará, Rondônia e Acre), é alvo de grilagem de terras públicas e invasão de unidades de conservação e territórios indígenas.
De acordo com levantamento da plataforma Global Fire Emission Data Base (GFED/NASA), de 1 janeiro deste ano até 7 de agosto, 3,7 milhões de hectares de floresta foram queimados no bioma, sendo 1,9 milhões de hectares em parte do período determinado pelo governo como proibido para essa atividade (de 1 de julho a 30 de outubro).
De 1 de julho a 2 de setembro, o Inpe – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais emitiu 3.099 alertas referentes a uma área de 5.719,67 km² na Amazônia, sendo 2.770,57 km² na Amazônia mato-grossense.
Em agosto, o MapBiomas (iniciativa do SEEG/OC – Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima) divulgou que, nos últimos 37 anos, a floresta amazônica já perdeu 13% de sua vegetação nativa.
O desmatamento atingiu 830.429 km² até 2021, o que significa cerca de 21% da área total original da floresta (de acordo com o sistema Prodes/Inpe). No ano passado, a cobertura vegetal da região era composta de floresta nativa (63%) e vegetação nativa não-florestal (19%), e o restante da área (2%) dividia-se pela rede hidrográfica de rios e lagos.
SETEMBRO CINZA
Enquanto Ângela Kuczach sobrevoava o Parque Estadual Cristalino II, no sábado, a cidade de São Paulo acordava com um cheiro de queimado e uma névoa que cobria o céu e a paisagem. O motivo?
Imagens de satélite mostraram que a origem poderia estar há milhares de quilômetros de distância da cidade: nos incêndios no sul da Amazônia. Exatamente na região por onde andou a bióloga, onde ela encontrou cenários desesperadores de destruição.
O cientista Eduardo Landulfo, do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), contou à Amazônia Real que as imagens de satélite indicavam que a tal névoa – conhecida como ‘pluma de aerossóis’ ou ‘fuligem das queimadas’ -, que pairava no céu de São Paulo já tinha chegado a outras partes do sudeste e dos estados do sul do Brasil (Florianópolis sentiu com intensidade), assim como países vizinhos como Bolívia, Paraguai e Peru.
Há anos, o cientista Carlos Nobre, uma das maiores autoridades em clima e Amazônia, alerta para o risco de a floresta amazônica chegar ao ponto em que não conseguirá mais se recuperar devido a tanta destruição, o ponto de não retorno.
“O desmatamento seguido por incêndios em um planeta mais quente está empurrando a Amazônia para o seu limite, com as regiões mais ao sul da floresta já em processo avançado de reversão para um ecossistema seco” .
Agora, assista, no link abaixo, a situação dramática do Parque Estadual Cristalino II registrada por Ângela durante o sobrevoo realizado em 9 de setembro:
https://www.instagram.com/p/CiUrIkNNxhM/?utm_source=ig_embed&utm_campaign=embed_video_watch_again
(conexãoplaneta.com.br – 13 de setembro de 2022 – Mônica Nunes)
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