ONÇA RESGATADA, SERÁ PRIMEIRO MACHO A SER REINTRODUZIDO NA AMAZÔNIA

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Xamã, resgatado sozinho com apenas dois meses, será o primeiro macho de onça-pintada a ser reintroduzido na Amazônia; quando resgatado, estava desnutrido e desidratada, perdido da mãe devido a um grande incêndio ocorrido no Mato Grosso

Assustado e acuado por cães, Xamã foi encontrado sozinho numa propriedade particular na região de Sinop, no Mato Grosso, em agosto do ano passado. 

O filhote de onça-pintada tinha cerca de dois meses, pesava pouco mais de 10 kg e estava desnutrido e desidratado. Acredita-se que tenha se perdido da mãe, já que um incêndio florestal de grandes proporções havia ocorrido naquela área.

O animal foi levado para o Hospital Veterinário da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e lá recebeu os primeiros atendimentos. 

Exames não revelaram doença nenhuma e com a ajuda de reposição nutricional, Xamã foi se restabelecendo. Mas o grande objetivo de todos os profissionais envolvidos em seu resgate era que ele fosse devolvido à natureza.

Reuniu-se então um grupo com diversos parceiros, públicos e privados*, para traçar o plano que possibilitará a reintrodução da onça-pintada na vida selvagem.

“Empreender todos os esforços possíveis para tratar, reabilitar e devolver o Xamã ao ambiente de origem, onde ele poderá desempenhar na plenitude os seus comportamentos naturais, é tanto uma questão de responsabilidade coletiva quanto um ato de resistência contra o sistema alimentar e econômico insustentável que ameaça a existência de animais silvestres e humanos igualmente”, ressalta David Maziteli, gerente de Vida Silvestre da Proteção Animal Mundial, patrocinadora e uma das consultoras do projeto de reintrodução.

O Brasil é considerado um país chave para a conservação da Panthera onca, uma vez que concentra as maiores populações da espécie no planeta. Além disso, já tem muita experiência com reintroduções. Em 2016, no Pantanal, tivemos as primeiras onças-pintadas no mundo a serem devolvidas com sucesso na natureza pela equipe do Onçafari .

Desde então, foram realizadas várias outras solturas, como por exemplo, do macho Ousado, uma das vítimas dos incêndios de 2020 no Mato Grosso.

Entretanto, a reintrodução de um filhote é sempre mais complicada. Após o nascimento, onças-pintadas vivem aproximadamente dois anos ao lado mãe, aprendendo como sobreviver. Além disso, quando animais jovens são resgatados, há o risco deles acabarem perdendo o instinto selvagem por estarem muito próximos de humanos.

 

Com isso em mente, evitou-se ao máximo no período em que Xamã esteve no hospital veterinário, durante cinco meses, o chamado imprinting, termo usado para descrever o apego do animal com seus cuidadores.

“Gradualmente foram sendo introduzidos elementos de enriquecimento ambiental para que ele se sentisse seguro no recinto temporário, nesse novo local em que ele esteve, sozinho, e para estimular o seu desenvolvimento”, conta Elaine Dione, coordenadora do curso de medicina veterinária da UFMT.

TRANSFERÊNCIA PARA O RECINTO NO PARÁ

No último dia 20 de janeiro iniciou-se a segunda fase do projeto de reintrodução. Era hora de levar a onça-pintada para o seu novo lar temporário, um recinto de reabilitação, de 15 mil m2, no meio da mata, no Pará.

Xamã é uma onça amazônica, por isso o Pará. Animais de áreas abertas, como o Pantanal, são maiores do que aqueles que precisam viver e caçar em regiões de floresta, como a Mata Atlântica e a Amazônia.

Agora, com aproximadamente 8 meses e quase o triplo de peso desde quando foi achado – já está com 27,5 kg -, o filhote foi sedado e de manhã bem cedinho começou a sua jornada de 500 km, por terra, a partir de Sinop.

Pelos próximos meses, até chegar à idade adulta, ele viverá no mesmo ambiente que acolheu Pandora e Vivara, as duas primeiras onças reintroduzidas no bioma Amazônia. Lá terá o contato mínimo, somente o absolutamente indispensável, com humanos.

Quem ficará responsável por essa etapa e o futuro monitoramento do macho será o Onçafari.

Inicialmente achou-se que seria necessário um período de adaptação, logo após a chegada da viagem, no recinto de cambiamento (uma pequena separação temporária na entrada do recinto principal). Mas não foi preciso.

“O comportamento de Xamã deixava claro seu desejo de se afastar das pessoas e de se embrenhar novamente na mata. Dito e feito, aberta a porta do cambiamento, Xamã partiu em disparada para a mata, sem olhar para trás, para alegria e orgulho de todos os envolvidos. Como uma bênção da mãe natureza, a leve chuva que caía naquele momento na região se transformou quase que imediatamente em uma grossa chuva amazônica. Seja bem-vindo, Xamã!”, relatou a equipe da Proteção Animal Mundial presente no local.

ADAPTAÇÃO PARA O FUTURO NA VIDA SELVAGEM

Daqui pra diante, pouco a pouco, Xamã será treinado para enfrentar os desafios de uma vida no meio da selva. Seguindo protocolos já realizados anteriormente em processos de reintrodução, os biólogos vão ensiná-lo, à distância, como caçar, por exemplo, comportamento que ele teria aprendido com a mãe. São deixados pedaços de carne no recinto e mais adiante, animais vivos, também são soltas nele.

 

Para acompanhar seu progresso, há câmeras escondidas dentro do recinto. Só quando houver certeza de que ele está pronto para viver livre, por volta dos 17 meses de vida, é que será solto. Antes disso, receberá um colar GPS.

Vida longa ao Xamã, batizado em homenagem aos nossos povos originários, os grandes guardiões da Amazônia!

(Nota: Além da Proteção Mundial e do Onçafari, fazem parte do projeto de reintrodução de Xamã ainda o Instituto Ecótono (IEco), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), por meio do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap).

Fotos: divulgação Proteção Animal Mundial

Suzana Camargo

Jornalista, já passou por rádio, TV, revista e internet. Foi editora de jornalismo da Rede Globo, em Curitiba, onde trabalhou durante 6 anos. Entre 2007 e 2011, morou na Suíça, de onde colaborou para publicações brasileiras, entre elas, Exame, Claudia, Elle, Superinteressante e Planeta Sustentável. Desde 2008 , escreve sobre temas como mudanças climáticas, energias renováveis e meio ambiente. Depois de dois anos e meio em Londres, vive agora em Washington D.C.

(Fonte: conexão planeta –  26 de janeiro de 2023 –  Suzana Camargo – Foto: divulgação Proteção Animal Mundial)

 

Xamã, de volta à floresta