A HISTÓRIA DE COTIA DIA DE TIRADENTES: UM DOS INCONFIDENTES MOROU EM COTIA

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Luiz Vaz de Toledo Pisa se casou com Gertrudes Maria de Camargo e residiu em Cotia, antes de ir para S. João del Rey, onde se envolveu com a Inconfidência e foi preso, condenado à morte e depois exilado em Luanda

Carlos Correia de Toledo e Melo nasceu em 1731 na Vila de São Francisco das Chagas de Taubaté, Capitania de São Paulo. Seus pais eram Timóteo Corrêa de Toledo e Úrsula Isabel de Melo. Trata-se de uma família de cristãos-velhos, muito voltada para a religião. Seu irmão Bento Cortes de Toledo também era padre e foi seu ajudante na Vila de São José. Outro irmão, Antônio de Melo Freitas, tornou-se franciscano e adotou o nome de Antônio de Santa Úrsula Rodovalho, tornando-se mais tarde bispo em Angola, na África. Duas de suas irmãs se tornaram freiras. Seu pai, depois de ficar viúvo tornou-se padre também.

O irmão Luís Vaz de Toledo Pisa se casou com Gertrudes Maria de Camargo, indo residir em Cotia e depois se instalou na Vila de São João del Rei. Sargentomor da Cavalaria Auxiliar e assistente do Termo da Vila de São José, ele se envolveu com a Inconfidência Mineira e foi preso no dia 24 de setembro de 1789.

Em 1776, quando se encontrava na movimentada Lisboa, onde tornou-se Padre e teve acesso aos ideais iluministas, Toledo foi nomeado Vigário Colado da Freguesia de Santo Antônio, da vasta e rica Vila de São José, da Capitania de Minas Gerais. A Vila de São José, atual cidade de Tiradentes, foi a primeira da região do Rio das Mortes a ser ocupada e logo se tornou expressiva produtora de ouro. Seu território era muito grande, pois a Comarca do Rio das Mortes era dividida entre apenas as duas vilas irmãs: São José e São João, tendo o rio das Mortes como limite territorial

O padre tomou posse da vigária e somente em 1777 chegou à localidade para assumir suas funções. Ao chegar a São José, Padre Toledo já possuía boa situação econômica. Mandou construir um belo casarão na Rua do Sol, edificado em blocos de moledo, retirados do Alto da Pedreira, atrás de sua propriedade. Com amplos salões, sala de jantar, biblioteca e um sobrado místico – torreão. Um dos aspectos mais interessantes do casarão é o conjunto de forros pintados. O autor das pinturas ainda está anônimo. Dentre os forros, dois merecem destaque: o da sala de jantar em gamela, apresentando frutas regionais e o da alegoria dos cinco sentidos. Além da ocupação religiosa, tinha terras de mineração em São Tiago e fazendas em Resende Costa.

A Inconfidência Mineira

Neste período, era grande a extração de ouro, principalmente na região de Minas Gerais. Os brasileiros que encontravam ouro deviam pagar o quinto, ou seja, vinte por cento de todo ouro encontrado acabava nos cofres portugueses. Aqueles que eram pegos com ouro “ilegal” (sem ter pagado o imposto”) sofria duras penas, podendo até ser degredado (enviado a força para o território africano).

Com a grande exploração, o ouro começou a diminuir nas minas. Mesmo assim as autoridades portuguesas não diminuíam as cobranças. Nesta época, Portugal criou a Derrama. Esta funcionava da seguinte forma: cada região de exploração de ouro deveria pagar 100 arrobas de ouro (1500 quilos) por ano para a metrópole. Quando a região não conseguia cumprir estas exigências, soldados da coroa entravam nas casas das famílias para retirarem os pertences até completar o valor devido.

Todas estas atitudes foram provocando uma insatisfação muito grande no povo e, principalmente, nos fazendeiros rurais e donos de minas, como Padre Toledo, que queriam pagar menos impostos e ter mais participação na vida política do país. Alguns membros da elite brasileira (intelectuais, fazendeiros, militares e donos de minas), influenciados pela ideias de liberdade que vinham do iluminismo europeu, começaram a se reunir para buscar uma solução definitiva para o problema: a conquista da independência do Brasil.

Como surgiu e foi organizada a Inconfidência
A Comarca do Rio das Mortes concentrou a maior parte dos inconfidentes, devido à mobilização liderada por Padre Toledo. É importante lembrar que nesse período, a comarca abrigava a maior população da capitania, enquanto Vila Rica tinha decréscimo populacional.

Em 8 de outubro de 1788, aconteceu a primeira reunião dos inconfidentes na Comarca do Rio das Mortes, que teve como pretexto o batizado de dois filhos de seu grande amigo Alvarenga Peixoto com Bárbara Heliodora – cujo casamento tardio, aliás, Toledo já havia oficializado. 

Após o batizado, em que o Padre havia sido o oficiante da cerimônia na Matriz de Santo Antônio, Toledo ofereceu um banquete em sua casa, com a presença de muitos convidados, dentre eles: Tomás Antônio Gonzaga, João Rodrigues de Macedo, Luis Ferreira de Araújo e Azevedo (desembargador da comarca), Luís Vaz de Toledo Piza, Luís Antônio (Tesoureiro dos Ausentes) e obviamente: Toledo e Alvarenga. 

Foi nesse dia em que se falou do movimento contra a Coroa Portuguesa e escolheram a senha para o levante: “tal dia será o batizado”. Comeram, beberam, sonharam: Gonzaga governaria por três anos, Bárbara Heliodora seria rainha, Alvarenga, o rei. Toledo seria o “Pontífice”. E “dizem que este Padre (Toledo) pensava, depois do levante, ser bispo desta capitania”, conforme depoimento, posterior. 

Luís Vaz completou: “…e eu, com este fagote cortaria, se necessário for, a cabeça ao General desta Capitania”, conforme registrado no Autos de Devassa, Vol. 4, página 138. Segundo consta, havia no salão um altar diante do qual os revoltosos juravam fidelidade à causa.

Padre Toledo teve ação destacada na Conjuração Mineira. Segundo tradição oral, os conjurados se reuniam em sua casa em outras ocasiões, havendo mesmo um túnel secreto (cuja saída estaria marcada por retângulo de tijolos no assoalho de madeira de um dos corredores), por onde passariam os conspiradores, burlando a fiscalização dos Dragões do Rei.

Vila Rica era sempre visitada por Padre Toledo, que se hospedava com o Desembargador Gonzaga. Em dezembro de 1788, estiveram reunidos na casa do comandante dos Dragões de Minas, Francisco de Paula Freire de Andrade. Alvarenga Peixoto fora convocado por Toledo, através de uma carta que dizia: “Alvarenga, Estamos juntos, e venha Vme. já. Amigo Toledo.”

 Para o levante, Toledo ofereceria 100 homens montados de suas propriedades e assegurou o apoio de São José, Borda do Campo e Tamanduá. Toledo ficou, ainda, de mobilizar São Paulo, a partir de Taubaté, onde ainda tinha parentes e para lá enviara um sobrinho citado como um “Claro de tal”.

A traição

Se entre os participantes do movimento inconfidente havia homens muito ricos e ilustrados, havia também homens endividados. 

Os dois mais comprometidos financeiramente eram João Rodrigues de Macedo e Joaquim Silvério dos Reis. Considerando a possibilidade de ter sua dívida perdoada como prêmio, Silvério dos Reis fez a denúncia do movimento por escrito. 

Em seguida Inácio Correia Pamplona e Francisco Antônio de Oliveira Lopes também denunciaram da mesma forma. Outro que fez registro da denúncia foi o português Basílio de Brito Malheiros do Lago, através de carta encaminhada ao Visconde de Barbacena, datada de 15 de abril de 1789.

O Alferes Joaquim José da Silva Xavier fora preso no Rio de Janeiro, mas, mesmo tendo conhecimento do malogro do movimento, Toledo tentou incentivar o levante, dizendo “que mais vale morrer com a espada na mão do que como um carrapato na lama”.

 Toledo foi preso atrás da Serra de São José, quando tentava fugir, sendo conduzido para o Rio de Janeiro. Ficou preso na Ilha das Cobras. Ao longo do processo instaurado pela Coroa Portuguesa, tornou-se óbvia a participação decisiva dos inconfidentes taubateanos na Comarca do Rio das Mortes. 

Tanto Padre Toledo quanto seu irmão Luís Vaz de Toledo Piza receberam a sentença máxima: morte na forca, que era para os líderes da conspiração. Depois, a pena fora comutada para exílio perpétuo. 

Luís Vaz foi degredado para Angola, falecendo em Luanda, aos 68 anos de idade. Padre Toledo foi deportado para Lisboa, ficando enclausurado na Fortaleza de São Julião e depois num convento até a morte. Faleceu aos 72 anos, em 1803.

As posses de Padre Toledo ficaram registradas através dos autos de sequestro, nos Autos de Devassa da Inconfidência Mineira. Registrou-se a descrição da casa, com seus muros e cavalariça, assim como os detalhes do interior: mobiliário, os utensílios, os objetos e os livros de sua biblioteca. 

Chama a atenção entre os itens listados a existência de muitas cadeiras, são vários conjuntos, sendo um de 12 cadeiras de caviúna do campo com assentos de tripé carmesim. De sua biblioteca foram sequestrados 105 livros. 

A casa recebia muitas visitas e tinha muitos escravos, dentre eles Leandro Angola, além de um cozinheiro e dois músicos: José Mina, que tocava trompa, e Antônio Angola, que tocava rabecão. 

Mais tarde, o belo imóvel se tornaria o ” Museu Casa Padre Toledo “. Padre Toledo tinha mais posses no Arraial da Laje, atualmente município de Resende Costa. Lá possuía uma fazenda e uma casa na sede, com escravaria, plantações de milho e feijão e terreno de mineração. Na paragem chamada Monte Alegre, Arraial de São Tiago, possuía terras minerais e mais escravos. 

Foi seu próprio irmão Padre Bento quem informou aos sequestradores sobre a existência de seu patrimônio particular. Depois, Padre Bento entrou com recurso, na sede da Comarca, alegando que os depositários desses bens não eram de sua confiança para gerenciar as propriedades. 

Há um objeto curioso que fora sequestrado em sua fazenda do Arraial da Laje: um tear. O mesmo objeto fora confiscado entre os bens de Cláudio Manoel da Costa. Trata-se de um equipamento de uso proibido pela Coroa Portuguesa, porque todos os tecidos tinham que ser importados da Inglaterra. 

Curiosamente, o tear se tornou amplamente utilizado na localidade e atualmente é a principal fonte de renda do município de Resende Costa, empregando centenas de pessoas. O pesquisador João Pinto Furtado, em O Manto de Penélope, levanta todos os bens dos inconfidentes e a partir do patrimônio, analisa a situação econômica de cada um. Toledo figura entre os mais ricos.

Curiosidades sobre a Inconfidência Mineira

  • Tiradentes foi o único condenado à morte por enforcamento, por pertencer a um dos mais altos postos do Exército Colonial (Alferes = Tenente), sendo a sentença executada publicamente em 21 de abril de 1792, no Campo da Lampadosa, no Rio de Janeiro. Outros inconfidentes haviam sido condenados à morte, mas tiveram suas penas comutadas para degredo.
  • Tiradentes jamais teve barba e cabelos grandes. Como alferes, o máximo permitido pelo Exército Português seria um discreto bigode. Durante o tempo que passou na prisão, Tiradentes, assim como todos os presos, tinha periodicamente os cabelos e a barba aparados, para evitar a proliferação de piolhos, e, durante a execução estava careca com a barba feita, pois o cabelo e a barba poderiam interferir na ação da corda.
  • A cabeça de Tiradentes foi enviada a Vila Rica, atual Ouro Preto, capital do estado na época, e os demais membros foram espalhados pela Estrada Real para que servisse de exemplo. Na primeira noite em que a cabeça de Tiradentes foi exposta em Vila Rica, foi furtada, sendo o seu paradeiro desconhecido até aos nossos dias.
  • Tratando-se de uma condenação por inconfidência (traição à Coroa), os sinos das igrejas não poderiam tocar quando da execução. Afirma a lenda que, mesmo assim, no momento do enforcamento, o sino da igreja local soou cinco badaladas.
  • A casa de Tiradentes foi arrasada, o seu local foi salgado para que mais nada ali nascesse, e as autoridades declararam infames todos os seus descendentes.
  • Alguns acreditam que Tiradentes era um líder maçom e foi apenas exilado e não enforcado, a descaraterização na prisão ajuda a reforçar a ideia, bem como o conveniente sumiço da cabeça do Alferes em plena praça pública.

(Fonte: Padre Toledo e a Inconfidência Mineira (villaalferes.com.br) – Claudir Carvalho