A MORTE DE SILVIO SANTOS

0
133

Por Antonio Melo

Ao longo de muitas décadas de vida, creio não ter visto comoção maior do que a ocorrida com a morte de Senor Abravanel, o Silvio Santos. Claro, houve mortes que deixaram profundas cicatrizes na alma do povo brasileiro (graças à exploração da tevê), entre elas a de Airton Senna, a dos Mamonas Assassinas e, claro, da Princesa Diana e da Rainha Elizabeth II, na Inglaterra, estas já distantes, longe daqui, assim como as dos papas Pio XII, João XXIII, Paulo VI, Joao Paulo I, João Paulo II (deixo de lado o Bento XVI porque morreu já fora do poder).

Mas a morte do Silvio Santos causou uma comoção inédita, graças também à TV, que transmitiu praticamente 48 horas seguidas apenas falando sobre o personagem que marcou a vida de milhões de brasileiros, eu entre eles

Na década dos anos 60 e 70, na pequena cidade em que nasci e então morava, a modorra tomava conta das tardes de domingo. Missa rezada, almoço familiar digerindo, ligava-se a TV preto e branco no Programa Silvio Santos e a família inteira ficava reunida na sala de visitas, janelas fechadas ou cortinas cerradas (a imagem era muito instável), às vezes bom-bril na antena, todos os olhos ficavam fixos no aparelho que transmitia o programa.

E isso até  as 19, 20 horas – o programa durava muitas horas. E ninguém saía de perto, absorvendo cada pedacinho do entretenimento que Silvio oferecia em altas doses, entremeadas por propagandas do Baú da Felicidade e das Lojas Tamakavi.

Às vezes, eu percorria as ruas da cidade, no domingo à tarde, para me reunir com alguns amigos. O silêncio nas ruas era total, as janelas das casas fechadas – mas ao longo da caminhada, de cada casa emanava, pelo postigo de vidro ou pela janela da sala, a luz azul forte – e troava a voz inconfundível de Silvio, em toda a cidade.

Embora casado com Maria Aparecida Vieira Abravanel, ou Cidinha, Silvio mantinha o relacionamento oculto, por muitos anos (desde 1962 até 1977, quando ela faleceu) para manter o seu perfil de galã ou heroi, como ele costumava dizer. Com Cidinha teve as filhas Cintia e Silvia Abravanel (adotada ainda bebê).

Ao morrer, era casado com Iris Abravanel, com quem teve as filhas Daniela, Rebeca, Patricia e Renata Abravanel.

Tudo que dizia respeito ao comunicador era notícia. E se não havia notícia, inventava-se. Uma polêmica longamente cultivada era de que Silvio seria careca. A lenda surgiu de uma matéria feita por Plácido Manaia Nunes, editor da revista Melodias, que combinou com Silvio a notícia de que ele era careca e casado. A publicação teve enorme repercussão e foi explorada por várias semanas, levantando novamente a revista.

Todos que fazem sucesso estão sujeitos a críticas e bombardeios os mais diversos. O produtor do quadro “Boa Noite, Cinderela”, Neimar de Barros, virou religioso fanático e resolveu expiar suas culpas pela frustração causada nas meninas que não conseguiam a coroa de princesa ou o beijo do príncipe (o cantor José Luiz, depois José Luiz Gallego).

Ao conseguir o seu canal de televisão, o SBT, Silvio foi acusado, à sorrelfa, porque naqueles anos de ditadura não se admitiam críticas abertas, de tê-lo conseguido em troca de promover o regime – e o quadro “A Semana do Presidente” seria um exemplo.

Mas os cães ladram e a caravana passa.

Silvio continuou em sua jornada de apresentador, empresário e, reconhecido pelos próprios colegas, o maior comunicador da televisão brasileira. Deu voz, ao longo de 60 aos, a centenas de cantores que de outra forma não teriam sido revelados; divertiu milhares de pessoas com suas brincadeiras às vezes quase infantis; lançou, sem medo de concorrência, um outro grande comunicador de massas, o Gugu Liberato e trouxe à luz figuras como o Ratinho e sua trupe.

Ao assistir parte das muitas retrospectivas que os canais apresentaram, não pude de sentir uma nostalgia de tempos idos e que jamais voltarão. Porque a gente é assim: as coisas passam, ficam as lembranças (há muitos anos não assistia mais o SS) e, ao ver as imagens, dá aquela sensação de perda efetiva, de que realmente o tempo nunca mais trará de volta aqueles tempos saudosos de 40, 50 anos atrás, em que a vida era mais fácil, em que se aguardava ansiosamente o domingo.

Depois veio o Fantástico e acabou com a magia dos domingos. Se havia alegria durante o dia, ao cair da noite a musiquinha do Fantástico nos lembrava que o domingo acabara e que o dia seguinte era segundão…

(Foto: capa da revista Melodias, noticiando que o apresentador era careca e casado – Reprodução da Internet)