ANIMAIS RESGATADOS FAZEM TRABALHO TERAPÊUTICO COM CRIANÇAS DE ABRIGO

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Parceiros de Cura: iniciativa faz trabalho terapêutico com crianças de abrigos e animais resgatados e abandonados

 A fazenda de Itu, em São Paulo, acaba de receber dois novos moradores: Hércules e Zeus. Não são deuses do Olimpo, mas bem que poderiam ser. 

Abandonados ainda bebês, com três dias de vida, no meio do nada, os dois bezerros foram deixados à própria sorte em um descampado. Essa é uma rotina comum na indústria leiteira. Sem ter potencial para virar churrasco e nem gerar leite (afinal, são machos!), na contabilidade do negócio, esses animais só vão dar despesas, portanto, são descartados.

Pois não é que Zeus e Hércules conseguiram uma nova chance? Resgatados na beira na estrada, agora estão em espaço seguro. E encontraram outros pequenos herois da própria história. Só que humanos.

No projeto Natureza Conecta, crianças e adolescentes de 6 a 16 anos que estão em abrigos ou na Fundação Casa têm a oportunidade de passar por um trabalho pedagógico e terapêutico com os animais desta fazenda. “É um encontro de histórias, que muitas vezes são parecidas”, conta Daniela Gurgelmédica-veterinária e criadora da ONG.

Na prática

As sessões ocorrem uma vez por semana e duram de duas a três horas supervisionadas por equipe que reúne médica veterinária, psicóloga e pedagoga. A seleção de quem vai participar é feita pelas próprias instituições.

Em parte do tempo, as crianças escovam os animais, dão banho, dão comida, limpam a baia. É como se eles morassem na fazenda e vivessem com esses animais.

Na outra hora, eles fazem atividades orientadas pela pedagogia do trauma, que também trabalha com atividades manuais, artesanatos, brincadeiras que mexem com questões emocionais.

A fazenda alugada abriga 35 bichos entre cavalos, vacas, cabras, porcos, codornas e cães. A criadora da ONG explica que como os animais, em geral, passaram por maus-tratos também passam por um preparo antes do contato com as crianças.

 “São animais dessensibilizados, preparados para a terapia, animais que não se assustam fácil, acostumados com toque, que sentem prazer nesse toque, interagem muito bem.” Mas alguns ficam de fora. “Se percebo que não têm essa vocação, não gostam de muita gente em cima, então, não participam”.

O trabalho com jovens da Fundação Casa, de Sorocaba, também no interior paulista, é diferente. Como eles são privados de liberdade e não podem sair da instituição pública, os animais é que vão até lá. No Conecta Galope, a jornada é estruturada com cachorro, cavalo e cabra. “Com cada animal a gente trabalha um arquétipo, um sentimento, uma emoção”.

Daniela explica que, em geral, o cão desenvolve a sociabilidade e a amizade. O cavalo, a força. A vaca, a nutrição, questões maternas. A cabra, autonomia, já que é um animal independente e curioso. “E assim trabalhamos as questões socioemocionais para a pessoa poder deslanchar depois na vida”.

O resgate é mútuo, garante Daniela. “Entendo que, se o animal não se beneficia também, não existe processo positivo”.

Poder de cura baseado em ciência

O trabalho tem inspiração em um programa dos Estados Unidos, o Green Chimneys, que existe desde 1947. A organização de Nova Iorque está associada à Universidade de Denver.

“Pude me reunir semanalmente com o diretor da Green Chimneys durante oito meses. E ele me contou como funciona lá, como fazem a avaliação, como funciona essa terapia, como é estruturado, e aí eu pude montar o Natureza Conecta, explica Daniela.

“É como se tudo que eu pensava, já tivesse alguém que fazia, e hoje eu sei que, no mundo inteiro, existem 150 organizações, mais ou menos, que fazem um trabalho parecido”, conta.

Há diversos estudos científicos que fundamentam a terapia assistida por animais e um protocolo da IAHAIO (Associação internacional de Interação Humana-Animal) que indica parâmetros como, por exemplo, que um animal só pode participar de uma sessão até 50 minutos. A Natureza Conecta segue esses preceitos.

A ONG tem um time enxuto e, por isso, não é aberta à visitação. Mas um programa de voluntariado está em planejamento. E se sustenta com base no apoio financeiro de empresas (doações), emendas parlamentares e recursos próprios. Doações de pessoas físicas também ajudam a manter o projeto.

Resultados

De 2021, quando o Natureza Conecta nasceu, até hoje, 45 crianças e adolescentes foram atendidos. E as histórias são fortes. “Normalmente, chegam bem apáticos, desconfiados, tristes e aí (vem) o processo, as transformações”, descreve Daniela.

Um dos casos mais marcantes para ela é do menino que tinha visto o pai matar o irmão dele. O garoto estava machucado, física e emocionalmente. No primeiro dia, ao conhecer os animais atirou uma maçã no cavalo. O animal nada agressivo não reagiu. “Aí ele ficou olhando pra mim e eu vi que tinha sido a primeira vez que ele viu uma ação agressiva não ter uma reação agressiva. Então eu vi que quebrou um ciclo pra ele, quebrou um padrão, e ali começou um trabalho”, lembra a veterinária.

O caso já tem dois anos. Hoje, o adolescente ainda tem várias questões, os pais seguem presos, mas ele consegue escrever cartas de amor para as meninas e se abre para emoções positivas. “Ele está lá lutando e a gente com ele”.

Outro símbolo do programa é a história da menina que viu a mãe atear fogo ao próprio corpo. Ela também desenvolveu ideação suicida. Por duas vezes, tentou se matar no abrigo. Lá, conseguiu se abrir, evoluir e acabou sendo adotada por uma participante desse trabalho. A adoção tem um ano e meio e, hoje, ela está na faculdade de biomedicina.

“Então, é em casos assim que você vê o poder dos animais, o poder do programa, a diferença que esse contato faz na vida deles. Realmente é muito, muito potente”, comemora Daniela.

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(Fonte: conexaoplaneta.com.br = 30 de julho de 2024 – Sabrina Pires – Foto: Natureza Conecta – divulgação – nas fotos, os rostos das crianças aparecem borrados porque elas não podem ser expostas)