“AUTISTA AINDA É TRATADO COMO PÁRIA”, AFIRMA DIRETOR DA ABRAÇA
Em entrevista concedida ao site DW, William de Jesus Silva afirma que a discriminação e o preconceito social contra pessoas que têm alguma deficiência ainda é muito grande contra pessoas autistas. É o “capacitismo” – “ideia de que pessoas com deficiência são inferiores àquelas sem deficiência, tratadas como anormais, incapazes, em comparação com um referencial definido como perfeito”, diz Lau Patrón, 32, escritora e cofundadora da empresa PONTE Educação para a Diversidade.
William é diretor de mobilização da Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas Autistas (Abraça) e integra o coletivo autista da USP, o mais antigo grupo universitário do tipo no Brasil e crítico feroz do capacitismo.
Diagnosticado com autismo já na adolescência, Silva se tornou um militante da causa, envolvendo-se em uma luta por direitos que garantam uma inserção plena dos chamados “neurodivergentes” nos estudos e no mercado de trabalho.
Segundo ele, “na maioria dos estabelecimentos de ensino, a partir da educação básica, falta muita coisa. Principalmente: acessibilidade, comunicação alternativa, tratamento acústico adequado para as edificações, salas com número reduzido de alunos, distribuição de bloqueadores de ruído, uso de uma linguagem direta e um bom treinamento para os trabalhadores, para que lidem com nossas demandas“.
Em entrevista à DW Brasil, ele destacou dois marcos importantes na luta recente pela inserção dos autistas na sociedade — a Lei 12.764, de 2012, que oficialmente passou a considerar essas pessoas, para efeitos legais, como deficientes; e, anteriormente, a convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) reconhecendo direitos e liberdades fundamentais dos autistas, que no Brasil ganhou status de emenda constitucional.
DW Brasil: Como você avalia o avanço da inclusão dos autistas no Brasil nos últimos anos?
William de Jesus Silva: Foram poucos mas significativos, pelo menos no plano normativo jurídico formal. Gostaria de destacar a Lei 12.764, de 2012, chamada de Lei do Autismo, e também a convenção da ONU de 2008, que aqui no Brasil ganhou status de emenda constitucional. Foram avanços significativos, mas ainda tímidos para as demandas da classe trabalhadora autista.
Embora tenhamos instrumentos jurídicos para podermos cobrar nossos direitos, ainda somos colocados como coadjuvantes. O Estado e a sociedade ainda nos tratam como otários, como párias. A gente está lutando para quebrar essa lógica, porque eles nos colocam como coadjuvantes principalmente porque levam mais a sério os pais e especialistas, mas não têm interesse em ouvir direto da fonte, que somos nós, as pessoas autistas.
Tão importante quanto isso, é fundamental salientar que os autistas da comunidade LGBT, os autistas pretos e as mulheres autistas acabam comendo o pão que o diabo amassou, porque, desconsiderados e negligenciados, muitos acabam sofrendo uma múltipla discriminação, sofrendo opressão e sendo alvos fáceis de famílias tóxicas. Isso é uma coisa que precisa mudar. É preciso uma abordagem intersecional.
A gente precisa trabalhar pelo conjunto. O autismo vai muito além de crianças brancas de classe média do sexo masculino. Esse é um estereótipo estúpido, capacitista e machista que precisa ser destruído.
O Dia Mundial de Conscientização do Autismo contribui para diminuir o tabu sobre o tema?
O 2 de abril virou uma data demagógica e de falso moralismo. Tornou-se palanque para neurotípicos [rótulo para pessoas que não apresentam nenhuma neurodivergência] ganharem ibope às nossas custas e reforçarem falsos estereótipos a nosso respeito. […] Por outro lado, institucionalmente, é uma data importante no processo de combate ao capacitismo.
Há muito preconceito contra o autista no Brasil?
Esse preconceito tem nome: capacitismo. É óbvio que tem. E sempre vai existir. O capacitismo está para nós assim como o racismo está para os povos pretos — e eu me incluo nesse recorte também porque eu sou um homem cisgênero preto com deficiência —, a LGBTfobia está para a comunidade LGBT… São formas de opressão diferentes, com características próprias para cada grupo social marginalizado. O que acaba reforçando os tabus são os preconceitos que reforçam o capacitismo. O falso moralismo e a demagogia.
Você já foi alvo de preconceito?
Diversas vezes, já até perdi a conta. Ainda sou discriminado em alguns momentos. Não posso ser hipócrita em dizer que não. Porrada a gente sempre vai tomar do sistema. Já até negaram que eu fosse autista. É um preconceito estrutural. Certa vez tive de ‘dar uma aula’ sobre autismo para meus colegas da USP após passar por situações de capacitismo, muitas delas bem sutis, imperceptíveis até.
Como as crianças autistas podem ser mais bem inseridas na sociedade? O que pode ser feito para melhorar essa inclusão?
Não é só o tripé educação, saúde e assistência social, no qual ainda não estamos 100% inseridos. É tudo. Principalmente no ensino superior, no mercado de trabalho. O coletivo autista da USP, do qual eu sou membro, e outros coletivos de estudantes autistas do Brasil, vêm batalhando pelo acesso e permanência de estudantes neurodivergentes no ensino superior.
Na maioria dos estabelecimentos de ensino, a partir da educação básica, falta muita coisa. Principalmente: acessibilidade, comunicação alternativa, tratamento acústico adequado para as edificações, salas com número reduzido de alunos, distribuição de bloqueadores de ruído, uso de uma linguagem direta e um bom treinamento para os trabalhadores, para que lidem com nossas demandas.
O que pode ser feito para melhorar essa inclusão?
O Estado deve investir fortemente em políticas que permitam à pessoa autista ser dona de sua própria história. Falo de um plano de vida, que inclua moradia inclusiva, um apoiador ao lado. Para que o autista seja protagonista dos processos decisórios que envolvem sua vida. E tenha direito ao controle sobre o próprio corpo, que é um tema tabu ainda dentro da comunidade do autismo, porque suscita temas como direitos sexuais reprodutivos, a questão da violência sexual contra mulheres autistas, entre outras coisas. Além, é claro, de investir fortemente na conscientização da classe trabalhadora e de um enérgico combate ao capacitismo.
O capacitismo deve ser combatido por uma via de mão dupla: é preciso fazer a conscientização da população mas também punir quem pratica, por exemplo, os que não tornam seus ambientes acessíveis, não fazem as adaptações razoáveis, os médicos que se negam a dar laudos para autistas, as famílias tóxicas… Enfim, há uma série de medidas a serem adotadas.
ALGUNS DOS MUITOS AUTISTAS FAMOSOS
Andy Wharol
MOZART
GRETA THUNBERG
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