CNJ APLICA CENSURA A JUÍZA QUE IMPEDIU ABORTO DE CRIANÇA ESTUPRADA

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Magistrada retardou procedimento autorizado pela Justiça, prolongando gestação da 23ª semana à 32ª semana, até decisão de 2ª instância.

O CNJ aplicou pena de censura à juíza Joana Ribeiro Zimmer, ex-titular da 1ª vara Cível de Tijucas/SC, por postergar a interrupção da gravidez de uma criança, à época com 10 anos, vítima de estupro.

A decisão foi proferida no julgamento do processo administrativo disciplinar instaurado para apurar a conduta da magistrada, que adiou a liberação da menor para o procedimento, mesmo após a autorização judicial.

A gestação, que deveria ter sido interrompida na 23ª semana, chegou à 32ª semana sem solução, sendo necessário que o caso fosse levado ao tribunal em grau de recurso.

Valores pessoais interferiram

O relator do caso, conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello, ressaltou que a magistrada, apesar de ter conhecimento técnico e publicações sobre o tema, permitiu que seus valores pessoais interferissem na decisão, impactando diretamente o direito da criança.

Bandeira de Mello destacou que, durante a audiência com a menor, a juíza repetidamente buscou humanizar a gravidez, perguntando qual nome ela daria ao bebê e se o pai tinha opinião sobre a gestação. Para ele, a magistrada sugeriu e até induziu a criança a acreditar que a continuidade da gestação seria uma possibilidade viável, incentivando a ideia de adoção.

Bandeira de Mello também frisou que, apesar de haver razões legítimas para a manutenção da menina em abrigo, uma vez que o abuso sexual ocorreu dentro do ambiente familiar, a magistrada extrapolou os limites da prudência e da imparcialidade ao manter a menor em um limbo jurídico, sem permitir que o aborto autorizado fosse realizado.

“Será que a intenção era que a gestação chegasse à 35ª semana, para que o médico dissesse que não poderia mais realizar o procedimento?”, questionou o relator.

Ele lembrou que o caso teve grande repercussão e mobilizou grupos contrários ao aborto, que chegaram a realizar protestos na porta do hospital onde a menina foi submetida ao procedimento.

“Houve manifestações contra a realização do aborto, e a menor, com apenas 11 anos, teve que lidar com um drama que deveria ter sido resolvido de maneira célere, sem exposição pública e sem que fosse transformado em uma discussão política nacional.”

Bandeira de Mello defendeu que a punição aplicada pelo CNJ tem o objetivo de deixar um alerta para toda a magistratura, ressaltando que nenhum juiz pode impor sua ideologia pessoal ao julgamento de um caso, especialmente quando envolve direitos fundamentais de uma criança em situação de vulnerabilidade.

“Todos somos humanos e, de alguma forma, colocamos um pouco das nossas ideologias em nossas decisões. Mas aqui, a magistrada violou o interesse da menor ao permitir que a gestação avançasse, ignorando a urgência do caso”, concluiu.

Relembre

O episódio foi divulgado pelo Migalhas há um ano, em junho de 2022, e envolve uma menina, à época com 10 anos, que sofreu estupro e engravidou. Quando a mãe descobriu a gestação, já com 22 semanas, procurou ajuda médica. Mas o hospital se negou a realizar o procedimento porque, por normas internas, após a 20ª semana seria necessária autorização judicial.

O caso chegou à juíza Joana Ribeiro Zimmer. A promotora Mirela Dutra Alberton, do Ministério Público de SC, ajuizou ação cautelar pedindo o acolhimento institucional da menina. A juíza atendeu ao pedido e comparou a proteção da saúde da criança com a proteção do feto, dizendo que a situação deve ser avaliada não só como forma de proteger a criança, mas também “o bebê em gestação”. A menina foi levada a um abrigo, longe da família.

Em cenas de audiência (vídeo abaixo), é possível ver que mãe e criança foram induzidas a desistir do aborto. Juíza e promotora insistiram que seria homicídio, que o bebê nasceria chorando e iria agonizar até morrer, e pediram que a menina “aguentasse mais um pouco” a gestação, até que fosse possível manter o bebê vivo e entregá-lo para adoção.

O caso tramita sob segredo de Justiça, mas as informações e imagens da audiência foram vazadas e divulgadas pelo site The Intercept, as quais reproduzimos.

“Tu suportaria ficar mais um pouquinho?”

No vídeo, a magistrada pergunta se a menina quer “escolher algum nome para o bebê”. Pergunta, ainda, se a menina sente o bebê mexer, e se quer vê-lo nascer, além de chamar o estuprador de “pai do bebê”, questionando se ele concordaria em entregar para adoção, “em vez de deixar ele morrer” agonizando. E questiona: “Tu suportaria ficar mais um pouquinho?”

Em outro trecho, juíza e promotora afirmam que o aborto seria “crueldade imensa”. A mãe da menina responde: “mais crueldade do que ela tá passando?” A juíza diz que a tristeza que ela está passando é a alegria de um casal que quer adotar. Aos prantos, a mãe implora que a menina volte para casa. “Deixa eu cuidar dela?”

Depois da divulgação do caso pela imprensa, a desembargadora Cláudia Lambert permitiu que a menina fosse para casa. 

Na mesma semana, o MPF divulgou  que a menina conseguiu realizar a interrupção da gestação.

Assista aos vídeos clicando em https://www.youtube.com/embed/va7ilbqSZxY?autoplay=1 e https://www.youtube.com/embed/_6RbWalZnbo?autoplay=1 

Processo: 0003770-59.2022.2.00.0000

(Da redação, com conteúdo de https://www.migalhas.com.br/quentes/424883/cnj-aplica-censura-a-juiza-que-impediu-aborto https://www.youtube.com/embed/_6RbWalZnbo?autoplay=1-de-crianca-estuprada – Imagem CNJ)