HISTORIA DE COTIA – EP. 9 A GUERRA DOS PIRES E CAMARGOS

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Em todas as compilações sobre a história de Cotia, um capítulo especial é dedicado à “guerra dos Pires contra os Camargos”. Na verdade, consta dos anais históricos que essas famílias, tidas como fundadoras pelos genealogistas, disputaram o poder – e a certa altura, a rixa explodiu, com mortes e ataques à traição.

Voltaremos ao assunto; por ora, ficamos com o muito bem explicado episódio, narrado pelo historiador João Barcellos, em “Cotia, Uma História Brasileira”, 3ª. edição, no prelo, a qual demonstra que até mesmo a mudança de local da  igreja e cidadela da antiga Koty dos campos de Carapicuiba (atual região do Caiapiá) para o sertão itapecericano (atual local de Cotia), deveu-se a uma ação ordenada e orientada pela família Camargo.

A rixa, em Cotia, segundo o historiador, encontrou “um ponto de paz em 1940, com o primeiro casamento entre os Pires (Carmelino Pires de Oliveira) e Camargos (Luiza)”.

Vamos ao relato do historiador:

Pires & Camargos Ou: a Disputa pelo Poder Colonial entre Portugal e Castelha.

 A rixa ideológica entre as famílias Pires e Camargo, respectivamente defensoras do Poder Português e do Poder Castelhano, à época em que os castelhanos [1640] tomaram Portugal, foi um reflexo direto das causas políticas e sociais que levaram à tomada do Poder pela elite filipina castelhana. 

A disputa teve lances romanescos, mas também de extrema barbaridade, até com registro oficial na Câmara da São Paulo dos Campos de Piratininga [1641], chegando a Atibaia [1765], porém, séculos depois, encontrou um ponto de paz em Cotia [1940] com o primeiro casamento entre Pires [Carmelino] e Camargos [Luiza]… 

Tal como na Vila nobreguense de Campos de Piratininga, também em outras regiões da entrada do sertão dominavam as elites das famílias que já haviam sido fidalgas em Portugal e em Castela, ou que continuavam a ser na Colônia chamada Brasil. 

A região da Koty karai-yo [ramo linguístico m´byano do Guarani] também recebeu parte da rixa ideológica entre Pires e Camargos… Não por acaso, quando em 1703 mudaram a Koty do sertão carapocuybano para o sertão itapecericano, a ação foi ordenada e orientada pela Família Camargo, que assim se distanciou um pouco mais da Família Pires, muito ligada à Societas Jesu – logo, contrária à expulsão dos padres jesuítas. 

E se os Camargos dominavam o Poder política através da Câmara Municipal paulistana, os Pires tinham, com os jesuítas, o Poder de alimentar a Vila principal, uma vez que as sesmarias estabelecidas a favor da SJ não eram terras a serem trabalhadas, mas terras com aldeias nativas e fazendas, algumas delas, como a de Araçariguama, “bens da Coroa”, como consta da Sesmaria das Aldeias dos Pinheiros e M´Baroeri. Ou seja: o Poder econômico estava, em parte, com os Pires, enquanto que os Camargos detinham o administrativo e também uma boa parcela do econômico. 

Regiões como Araçariguama e Cotia pagaram muito caro por isso, tendo-se, inclusive, a fazenda pouso Maracanaduba, ou Maracanduba, perto do Sítio das Encruzilhadas, como ponto de referência histórica. 

Recentes pesquisas de Marília Gruenwaldt [2004/05] demonstram como entre Cotia e Araçariguama persistia um corredor onde o Poder das linhagens marcava encontros… Na verdade, “…o que importava na época colonial era o sobrenome, a linhagem familiar, e quando isso não existia, a ´linhagem´ era fabricada na força e na epopéia militarista…” [J. C. Macedo – in “Elite Familiar & Poder na Expansão Colonial”, art., Guimarães/Pt – 1981]. 

E o Caso Pires x Camargo colocou no Brasil o diferencial ideológico entre a Casa de Bragança e a Casa de Aviz: a primeira tomou conta dos esforços em prol do desenvolvimento sustentado feitos pela segunda. Porque, em Portugal, sempre existiu um ´Camargo” travestido de “Pires” pelo continuísmo do atraso medieval. 

Ora, a expansão ultramarina portuguesa haveria de espelhar esse evento epo político. É que a Família de Linhagem era, de fato, o Poder, no sistema medieval. E quando o infante-regente Pedro [Séc. XV] se determinou a dotar Portugal de uma legislação [Ordenações Afonsinas] para sustentar a Nação, os medievalistas da Casa de Bragança, com o infante Henrique nem sempre na sombra, decidiram acabar com o Estado de Direito: mataram Pedro e depois o seu neto, o rei João II. Assim, quando em 1640 os portugueses restauraram a sua independência liquidando a Monarquia Filipina, deram azo a que, no Brasil, os Camargos decidissem pela rixa contra os Pires. Uma pura rixa ideológica em torno do Poder que o Estado havia deixado ao ´deus dará´.

São Paulo na época da rixa entre as famílias Pires e Camargo