LEGISLAÇÃO TENTA IMPULSIONAR A EQUIDADE DE GÊNERO NAS ELEIÇÕES DE 2022

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Novas regras para registro de candidaturas e distribuição do fundo partidário já estão valendo e podem ampliar a presença de mulheres na política

O INSPER – Instituto de Ensino e Pesquisa publicou, em março deste ano, artigo assinado por Leandro Steiw, a respeito da situação da mulher na política, frente a novas regras instituídas, principalmente no que diz respeito a registro de candidaturas e distribuição do fundo partidário.

Vamos ao artigo, esclarecedor por si:

“As eleições de 2022 serão mais uma oportunidade para aumentar a representação de mulheres nos cargos públicos. Como o Brasil ainda vai longe na equidade da distribuição das candidaturas e das vagas, uma alteração na Constituição e uma série de leis promulgadas recentemente tenta tornar o processo eleitoral menos desigual.

A emenda constitucional 111/2021 determina que, nas eleições de 2022 a 2030, os votos dados a candidatas mulheres ou a candidatos negros para a Câmara dos Deputados serão contados em dobro para fins de distribuição entre os partidos políticos dos recursos do fundo partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

A primeira das leis, a 14.192/2021, estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher. O texto trata dos crimes de divulgação de fato ou vídeo com conteúdo inverídico no período de campanha eleitoral e assegura a participação de mulheres em debates eleitorais proporcionalmente ao número de candidatas às eleições proporcionais.

Por meio da Lei 14.197/2021, incluiu-se no Código Penal o delito de violência política, aplicado contra quem restringir, impedir ou dificultar, com emprego de violência física, sexual ou psicológica, o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Já a Lei 14.208/2021 institui as federações de partidos políticos, garantindo a aplicação das normas de escolha e registro de candidatos para as eleições majoritárias e proporcionais e a arrecadação e aplicação de recursos em campanhas eleitorais. Assim, mantém-se o mínimo de 30% de candidaturas de mulheres, como estabelecido em 1997. Essa proporção se estende aos debates nas eleições proporcionais por meio da quarta e mais recente, a Lei 14.211/2021.

“As iniciativas tentam lidar com o gravíssimo problema de sub-representação feminina na política observado no Brasil”, afirma Ana Diniz, professora do Insper que se dedica à análise de iniciativas públicas e privadas para combater desigualdades. Doutora em Administração Pública e Governo pela Fundação Getulio Vargas (FGV), ela cita a pesquisa da União Interparlamentar (IPU, na sigla em inglês) que mostra o Brasil na 144ª posição entre 192 países em percentual de mulheres no legislativo.

 

Impacto das mulheres

Diversas pesquisas mostram o impacto da participação das mulheres na política. Toda vez que uma prefeita é eleita, muda a forma como os eleitores votam nas eleições seguintes, melhorando a percepção da capacidade feminina em cargos públicos, segundo um estudo realizado pelos economistas Sergio Firpo, do Insper, e Paulo Arvate e Renan Pieri, da Fundação Getulio Vargas.

Baseados nos dados, os três pesquisadores publicaram outro estudo indicando que a eleição de prefeitas incentiva as adolescentes com 16 e 17 anos, ou seja, com voto facultativo, a se registrarem na Justiça Eleitoral. Ambos os casos exemplificam a quebra de estereótipo causada pela participação efetiva das mulheres no Executivo e no Legislativo.

As pesquisas consideram os resultados de munícipios onde as eleições foram decididas por poucos votos, nas quais a vitória da mulher ou do homem pode ser considerada aleatória, quase como se jogássemos uma moeda para o alto para obter cara ou coroa. É uma forma de evitar que outros fatores, como a preferência já estabelecida por uma agenda com candidatas mulheres, interfiram na explicação do resultado eleitoral futuro. “Em geral, as mulheres eleitas são muito mais bem preparadas do que os homens, em escolaridade e capacidade de aprovar projetos de lei”, diz Sergio Firpo. “Os exemplos que temos são de mulheres incrivelmente talentosas para a política e que podem influenciar outras.”

Nesse mesmo universo de cidades com eleições decididas voto a voto, as candidatas eleitas adotaram medidas de restrição e circulação de maneira mais frequente do que homens diante da pandemia de covid-19. Conforme a pesquisa de Raphael Bruce, do Insper, Alexsandros Cavgias, da Universidade de Barcelona, e Luis Meloni e Mário Remígio, da Universidade de São Paulo, a mortalidade nos municípios administrados por mulheres foi menor do que em municípios similares nos quais o eleito por margem estreita é homem. “Mulheres conseguem, de fato, implantar políticas mais alinhadas com o bem-estar da população”, avalia Firpo.

O cenário eleitoral, contraditoriamente, não é tão favorável. A criação da cota obrigatória de 30% de candidatas por coligação, determinada pela Lei 9.504/1997, não se reverteu em equilíbrio na composição do legislativo. “O que precisaríamos, se fosse uma lei de cotas similar à de outros países, seriam assentos reservados para mulheres”, diz Firpo. Na pesquisa com Arvate e Pieri, ele registra que, em 2016, apenas 13,5% dos vereadores eram mulheres, quase 20 anos depois da promulgação da lei.

Um levantamento da organização intergovernamental International IDEA indica que 62 países usam cotas eleitorais para candidaturas e 26 reservam assentos no correspondente à Câmara dos Deputados brasileira. “Sabemos que as cotas são um mecanismo eficaz para reduzir as disparidades raciais, portanto, poderiam ser no caso das mulheres nos cargos públicos”, afirma Firpo. A comparação está nas universidades públicas: as cotas étnico-raciais e socioeconômicas não valem para vagas no vestibular, mas para vagas nos cursos. Essa distribuição tem assegurado boa parte da inclusão no ensino superior.

A professora Ana Diniz concorda que as normas que foram adicionadas à legislação e articuladas com a cota de participação dos processos políticos podem não ser tão efetivas na ampliação da representatividade feminina quanto a reserva de assentos. “Quando se reservam assentos, garante-se que, ao final do processo, um resultado será alcançado. Então, são atacados também inúmeros limitadores que as mulheres enfrentam até estarem dentro da Câmara, como aqueles observados nos processos de definição da lista de candidatos, garantia de financiamento de candidaturas e participação e espaço dentro dos partidos”, explica.

 

Sessão na Câmara dos Deputados: predomínio masculino (Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil)