MAIS DE 90% DOS MAMÍFEROS DA CAATINGA PODEM DESAPARECER
O cenário de mudanças climáticas previsto para a Caatinga é catastrófico para a maioria das espécies de mamíferos terrestres que habitam a região.
Em estudo publicado no dia 17 de outubro passado, na revista Global Change Biology – Climate change should drive mammal defaunation in tropical dry forests – pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e das federais da Paraíba (UFPB) e de Minas Gerais (UFMG) preveem a perda de espécies em 91,6% das comunidades desses animais na Caatinga, com 87% das espécies perdendo hábitat ainda em 2060.
“Esse é o cenário otimista, em que a humanidade cumpre o Acordo de Paris, reduz as emissões de gases do efeito estufa e diminui o ritmo do aquecimento previsto para as próximas décadas”, explica Mário Ribeiro de Moura, pesquisador do Instituto de Biologia (IB) da Unicamp apoiado pela Fapesp e coordenador do estudo.
A equipe de pesquisadores cruzou as mais recentes previsões de temperaturas futuras divulgadas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da Organização das Nações Unidas (ONU), com bancos de dados de ocorrência de espécies de mamíferos na Caatinga.
Foram utilizados diferentes modelos estatísticos para capturar as tolerâncias fisiológicas das espécies ao clima atual. Esses modelos foram então explorados em futuros cenários do clima, trazendo resultados semelhantes entre si.
Até 2060, segundo o IPCC, as temperaturas médias devem subir em 2,7° C no norte da América do Sul, com aumento de 21 dias secos consecutivos na estação seca.
PEQUENOS ROEDORES E MARSUPIAIS, OS MAIS PREJUDICADOS
Uma vez que são necessários milhares ou milhões de anos para os animais se adaptarem a mudanças tão drásticas, os modelos apontam que apenas algumas poucas espécies encontrariam mais áreas climaticamente adequadas no futuro, entre elas tatus, cotias e veados, todas de grande porte. Entretanto, espécies de primatas, por exemplo, perderiam áreas adequadas.
Pequenos mamíferos, cujos indivíduos adultos têm menos de um quilo, serão os mais prejudicados. Esses animais constituem 54% dos mamíferos da Caatinga. No total, 12 espécies (12,8%) perderiam completamente os hábitats em 2060, no cenário mais otimista. Segundo o modelo mais pessimista, porém, seriam 28 espécies (30%) sem áreas adequadas até 2100.
Pequenos roedores e marsupiais – animais como a cuíca (Gracilinanus agilis), o gambá-de-orelha branca ou saruê (Didelphis albiventris), o rato-da-árvore (Rhipidomys mastacalis), o rato-bico-de-lacre (Wiedomys pyrrhorhinos) e o rato-de-espinho (Trinomys albispinus) – serão alguns dos mais prejudicados.
“Para 70% das comunidades de mamíferos, vai haver uma homogeneização, com poucas espécies generalistas substituindo as raras e especialistas. Isso traz a perda de funções ecológicas, como dispersão de sementes, e todo o ecossistema se torna menos resiliente”, conta Moura.
Em um trabalho anterior, Moura e outros coautores também utilizaram modelos estatísticos e bancos de dados para prever como as plantas da Caatinga seriam afetadas pelas mudanças climáticas.
Entre os resultados, também está prevista uma homogeneização de 40% das comunidades de plantas, com substituição de espécies arbóreas por gramíneas, por exemplo (saiba mais aqui).
ZONA DE TRANSIÇÃO
Moura explica que, ainda que os mamíferos possam mudar comportamentos para escapar das maiores temperaturas, o período do dia com clima mais ameno poderá ser utilizado por muitas espécies ao mesmo tempo. Isso pode gerar maior competição por recursos, o que também pode afetar as chances de sobrevivência.
Em todos os cenários, a parte mais afetada do bioma será a leste. Nessa área ocorre a transição com a Mata Atlântica. A maior umidade trazida da costa tem como uma das consequências mais espécies vivendo ali.
“Essa também é a parte da Caatinga onde estão as maiores cidades da região. O desmatamento, a caça e outras práticas históricas contribuem para que a situação seja ainda mais complicada no local, o que pode amplificar os efeitos das mudanças climáticas”, avalia o pesquisador.
Por isso, os autores defendem que o sucesso de políticas socioambientais e de planejamento da conservação de longo prazo depende que previsões sobre a biodiversidade sejam consideradas.
Além do projeto coordenado por Moura, o trabalho recebeu financiamento por meio de um Auxílio à Pesquisa concedido a Mathias Mistretta Pires, professor do IB-Unicamp e coautor do artigo.
(Este texto foi originalmente publicado no site da Agência Fapesp em 20/10/2023/André Julião/ Foto Mario R. Moura/Unicamp)
O saruê é uma das espécies mais ameaçadas