OBRA DE CLARICE LISPECTOR NOS CINEMAS
Adaptação de ‘A paixão segundo G.H.’ estreou no dia 11/4 com a busca pelo ‘não humano’; Maria Fernanda Cândido vive G.H.
Estreou no dia 11 de abril o filme Paixão Segundo G.H., adaptação do livro homônimo de Clarice Lispector, lançado em 1964.
O longa teve uma produção extensa, sem pressa, num processo que começou efetivamente em 2017 com ensaios e pesquisas das Oficinas Teóricas, feitos no galpão da equipe do diretor Luiz Fernando Carvalho, e que terminou somente após a pandemia, em 2023, poucos meses antes do lançamento.
O filme é protagonizado por Maria Fernanda Candido no papel de G.H. A editora Rocco também lançou em março de 2024 o livro Diário de um filme (Rocco), em que a roteirista do filme, Melina Dalboni, detalha o processo de criação do longa.
Maria Fernanda Candido conta que, ainda que a pesquisa e os ensaios de Paixão segundo G.H. tenham começado em 2017, o projeto já tinha uma semente de ideia em 2008. Em entrevista ao PublishNews, ela relata que o diretor Luiz Fernando Carvalho a chamou para interpretar a personagem ainda em 2008, após trabalharem juntos na minissérie Capitu, da Globo. A produção adaptou o texto do romance Dom Casmurro. Após o convite, a atriz ficou quase 10 anos sem tratar do assunto com o diretor, quando ele a chamou em 2017 para que começassem a trabalhar no longa.
Luiz Fernando Carvalho tem como marca de seu trabalho o método de estudo teórico e prático na pré-produção. Nas Oficinas, ele buscava unir o conhecimento teórico e o conhecimento prático do estudo da obra no período de ensaios.
Na entrevista, Maria Fernanda conta que seu primeiro contato com GH foi quando leu a obra de Clarice aos 28 anos.
“Esse livro causou um impacto enorme na minha vida. E eu já conhecia a Clarice por conta da escola, como aluna. E depois li alguns livros dela como A descoberta do mundo, que é meu livro de cabeceira, que eu amo, e também A maçã no escuro, Água viva. Mas não sou nenhuma especialista em Clarice Lispector, nem nada disso”, brinca.
“Quem me deu o livro da G.H. foi o Luiz. A gente estava fazendo Esperança, em 2002, que foi nosso primeiro trabalho juntos. E ele me deu esse livro de presente no final do processo da novela, então ele nem sabe do efeito que o livro causou em mim. Acho que ele não imaginava na época que ele ainda faria o filme de G.H.”, complementa.
Na preparação para viver a personagem, Maria Fernanda diz ter tido que realizar o oposto do que fizera em sua carreira: “Eu sempre tive que construir personagens, juntava características e máscaras, para fazer uma montagem humana”. O relato da atriz é similar ao que a narradora-protagonista do livro de Clarice vivencia.
O livro Paixão segundo G.H. conta a história de G.H., que tem uma revelação ao encontrar em perfeito estado o quarto da empregada doméstica que recentemente deixara de trabalhar no apartamento. A partir desse momento, G.H. se debruça sobre questionamentos referentes às máscaras morais da sociedade.
A produção e a abordagem do longa
A história não é uma narrativa cheia de acontecimentos, mas sim um conflito da protagonista consigo mesma, confinada em um apartamento. Há, no longa, um entrelaçamento entre as três linhas principais do enredo: a de GH depois dos acontecimentos, que trabalha uma espécie de campo da memorial; G.H narradora dos acontecimentos; e G.H. vivenciando os acontecimentos.
O diretor afirma que, para selecionar os capítulos que seriam adaptados, ele selecionou trechos que continham ideias que considerava centrais para compreender a história, levando em conta essas três dimensões da personagem. A circularidade da história é algo que o diretor afirmou querer reforçar no decorrer do filme, por ser uma característica central do romance de Lispector. “Essas três vozes são em tempos e espaços diferentes. E elas nos ajudaram a entrar no livro. Não chega a ser um roteiro ou um guia. Mas ela nos orienta dentro do processo de seleção. Escolhemos a vez em que aquela ideia está mais forte no texto. E o texto mesmo vai te orientando”, afirma o diretor.
Assim como ocorre no romance de GH: “Momento do filme em que G.H. vai na direção contrária de tudo aquilo que ela construiu. Nesse contrário eu vou encontrar a mulher de todas as mulheres. E ai colocamos a figura de Janair. E cria-se uma equivalência simbólica entre elas no enquadramento”.