TUBARÕES-TIGRE ESTÃO CONTAMINADOS POR METAIS PESADOS NA COSTA SUL DO BRASIL

0
109

Primeiro foi cocaína; agora são metais pesados: cientistas identificam contaminação de tubarões-tigre na costa sul do Brasil 

Em julho, a divulgação de artigo sobre a descoberta de cocaína em órgãos de 13 tubarões da espécie Rhizoprionodon lalandii (popularmente conhecida como tubarão-bico-fino-brasileiro), nas águas do litoral do Rio de Janeiro, causou alarde, como contamos aqui.

 Agora, mais uma notícia alarmante acaba de ser divulgada por cientistas. Na costa sul do Brasil – mais precisamente no litoral do Paraná -, tubarões-tigre estão ingerindo grandes quantidades de metais pesados utilizados na fabricação de celulares, tablets, computadores, carros elétricos, entre outros tipos de alta tecnologia.

O estudo foi realizado entre 2020 e 2021 pelos cientistas do programa de pesquisa e conservação de tubarões do Instituto Cape Eleuthera (CEI) – fundado em 2006 para administrar o programa de pesquisa da The Island School em áreas relacionadas à ecologia tropical, biologia marinha e sustentabilidade – e publicado no jornal Environmental PollutionDas telas aos mares, contaminantes tecnológicos em tubarões tigre).

Os contaminantes encontrados nos tubarões incluem Elementos de Terras Raras (ETR) ou simplesmente Terras Raras, que é o conjunto de 17 metais naturais, de diferentes pesos: leve: lantânio, cério, praseodímio e neodímio; médio: samário, európio e gadolínio; e pesado: térbio, disprósio, hólmio, érbio, túlio, itérbio, lutécio e ítrio. 

Hoje, praticamente todos os dispositivos que usamos diariamente contêm, pelo menos, um desses elementos originários de areias monazíticas do litoral, em especial jazidas próximas a vulcões extintos, como nas cidades de Araxá e Poços de Caldas, em Minas Gerais, e Catalão, em Goiás, e, também, no município de Pitinga, no Amazonas.

Por tudo isso, os cientistas destacam ser alarmante que tubarões-tigre estejam contaminados dessa forma. Ainda mais num momento em que há países – entre eles o Brasil – que desejam ampliar a exploração da mineração em águas profundas e órgãos reguladores internacionais consideram autorizar tais projetos. 

Não é surpreendente, portanto, que tais resíduos elétricos estejam se espalhando pelos oceanos. Mas os pesquisadores destacam que esta é a primeira descoberta publicada a respeito do tema.

Natascha Wosnick, cientista-chefe do programa do Instituto Cape Eleuthera nas Bahamas, destacou à reportagem da National Geographic: “Ninguém está falando sobre isso” [o aumento de elementos de terras raras no meio ambiente]. “E não sabemos nada sobre como isso pode afetar a saúde desses animais”. Ela participou da análise de cocaína em tubarões da costa carioca. 

Entre 2020 e 2021, para descobrir como quantidades crescentes de metais pesados estão contaminando predadores de topo, a pesquisadora e sua equipe analisaram 12 tubarões-tigre capturados por pescadores artesanais no litoral paranaense.

A priori, os cientistas analisaram cérebros, olhos, rins, guelras, pele, dentes, músculos, corações e fígados dos tubarões-tigre para procurar nove elementos de terras raras, além de titânio (utilizado não apenas em produtos tecnológicos, como em aplicações médicas e aeroespaciais) e rubídio (usado em medicamentos). Todos foram encontrados em todos os órgãos!

Mark Bond, biólogo marinho da Florida International University, que não participou do estudo, declarou à NatGeo a respeito do resultado da pesquisa: “Não é surpreendente que estejamos começando a ver a poluição de um desses produtos químicos de longo prazo em um desses animais de vida longa”.

E há duas questões que ainda precisam ser respondidas: como os tubarões captam os ETR e como estes afetam sua vida e saúde, como destacou Wosnick.

Natureza diversa do tubarão impede precisão do estudo 

A primeira questão ainda está envolta em mistério devido à falta de dados sobre “esses elementos químicos em ambientes marinhos”, mas também devido aos “movimentos imprevisíveis dos tubarões-tigre”: essa espécie é migratória – podendo viajar por grandes distâncias, entre continentes -, mas também pode se instalar na mesma área em toda sua vida.

Por isso, não é possível identificar se eles estão ingerindo os ETR na costa brasileira ou em outro lugar. “É difícil estudar tubarões-tigre porque eles não seguem os padrões tradicionais de outros tubarões”, disse a pesquisadora do CEI à NatGeo.

Seja lá qual for o local, de acordo com o estudo, há duas possibilidades de fontes dos ETR encontrados nos tubarões: a mineração em terra, que poderia levar os metais pesados ao oceano por rios e córregos, ou o descarte

Para Wosnick, “a mineração é uma fonte possível, mas improvável nesta área”, por isso ela acredita que o mais provável é que sua origem esteja no “descarte não regulamentado de tecnologia”, principalmente devido à quantidade de pessoas que vivem ao longo da costa do Paraná.

À NatGeo, ela declarou: “Os tubarões podem estar absorvendo terras raras diretamente por meio de suas guelras ou comendo muitas presas contaminadas. Como os tubarões-tigres são conhecidos por comer praticamente qualquer coisa, incluindo botas, placas de veículos ou pneus, eles podem até estar comendo celulares descartados e outros dispositivos que contêm esses elementos”.

Mas o biologp Marc Amyot, da Universidade de Montreal e presidente canadense de pesquisa em ecotoxicologia e mudanças globais, que não participou do estudo, indica uma terceira (e provável) possibilidade de contaminação: como os ETR são relativamente comuns na crosta terrestre, “podem aparecer na água em certos níveis” e serem absorvidos pelos tubarões.

O que os metais pesados podem causar aos tubarões-tigre?

Os ETR não estão causando a morte dos tubarões e faltam dados sobre sequelas. O biólogo Amyot afirmou à NatGeo que seria necessária uma concentração maior para serem letais, como ocorreu em pesquisa recente da qual participou, que analisou peixes canadenses com altos níveis de ETR. 

Mesmo assim, ele se disse empolgado com o trabalho divulgado, mesmo “com dados pobres”. E completou: “Esses são elementos que realmente precisamos estudar porque precisamos de diretrizes” (…). “Este [estudo] realmente preenche uma lacuna”.

Wosnick e Bond, no entanto, alertam para os “impactos subletais” causados pela presença dos metais pesados no organismo destes animais, “como estresse oxidativo no fígado, destacou a pesquisadora. “A energia que os tubarões usam para lidar com esse estresse pode afetar sua capacidade de caçar presas ou de se reproduzir”.

E Bond lembrou que os efeitos do titânio são mais conhecidos do que os de outros elementos. “O titânio pode ter efeitos realmente adversos nos rins e na barreira onde o oxigênio passa do sangue para o cérebro. Se o oxigênio começar a ter problemas para chegar ao cérebro, pode causar uma série de problemas, incluindo desorientação que também pode prejudicar os caçadores”.

Por outro lado, Wosnick conta que foram encontradas “concentrações extremamente altas” de titânio nos dentes dos tubarões, mas que isso pode ser positivo visto que estes animais trocam de dentes com frequência.

Impacto nos seres humanos

Como sabemos, a carne de tubarão (nesse caso, chamado de cação, para disfarçar) é apreciada no Brasil, por isso, os ETR podem ser absorvidos também pelos seres humanos. 

“Todos os elementos de terras raras que não são essenciais têm o potencial de prejudicar as pessoas”, destacou Wosnick à NatGeo. Com mais um detalhe: os humanos podem ser mais sensíveis a seus efeitos tóxicos do que os tubarões> Isto porque mamíferos (nós), em geral, têm mais gordura do que os peixes, onde esses metais podem aderir e, consequentemente, acumular.

Mas o pesquisador Amyot lembrou que, como a pesquisa não identificou níveis altos desses elementos nos músculos dos tubarões-tigre, provavelmente não devem prejudicar os humanos, caso consumam sua carne. Por outro lado, ele também alertou que tubarões que vivem próximos de áreas de mineração de ETR podem conter níveis mais altos. 

A falta de regulamentação sobre os níveis “saudáveis” de ETC e outros elementos em tubarões e outros animais marinhos é uma questão preocupante para Wosnick e equipe, que deve ser tratada com urgência. 

(Da redação, com conteúdo de conexaoplaneta.com.br – Suzana Camargo- Foto:  Albert Kok / Wikimedia Commons (licenca-CC-BY-SA-3.0). Com informações do estudo publicado no Environmental Pollution e da National Geographic