JULGAMENTO NO STJ EXPÕE 49 MILHÕES DE USUÁRIOS DE PLANOS DE SAÚDE A AMEAÇA DE TEREM TRATAMENTOS NEGADOS

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STJ volta a discutir se o rol de procedimentos da ANS para os planos de saúde é taxativa ou não; risco é de empresas terem o direito de negar tratamentos mais eficientes

Hoje o STJ (Superior Tribunal de Justiça) retoma o julgamento que pode afetar mais de 49 milhões de usuários de planos de saúde e definir a extensão da lista de cobertura dos procedimentos e tratamentos publicada pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar).

O julgamento é decisivo para as pessoas que utilizam esse serviço, as quais podem ter o acesso de tratamentos e medicamentos negados pelas operadoras, tendo que arcar sozinhas com os custos.

A ANS tem um Rol de Procedimentos e Eventos que estabelece a cobertura assistencial obrigatória a ser garantida nos planos privados de assistência à saúde para os chamados “planos novos” (planos privados de assistência à saúde comercializados a partir de 02/01/1999), e “planos antigos” adaptados” (planos adquiridos antes de 02/01/1999, mas que foram ajustados aos regramentos legais, conforme o art. 35, da Lei nº 9.656, de 1998).

A polêmica entre operadoras e beneficiários de planos pode ser assim resumida: 

-as operadoras entendem que o Rol lista TODOS os procedimentos a que são obrigadas a atender, ou seja, o rol é TAXATIVO – nada além dele pode ser atendido, não dando margem a outras interpretações.

– os Tribunais entendem que o rol de procedimentos é EXEMPLIFICATIVO, isto é, seria referência mínima; segundo esse entendimento, a cobertura vai além de seu conteúdo listado, incluindo, eventualmente, outros procedimentos prescritos por médicos que tenham eficácia comprovada. Em oposição, há o entendimento das empresas de que o rol seria taxativo, que delimita a lista de coberturas, não dando margem a outras interpretações.

A interpretação dos tribunais favorece os consumidores. Por exemplo,  alguns tratamentos prescritos para autismo não são cobertos pelas operadoras, mas se o usuário recorrer à Justiça, esta determinará que o plano cubra o tratamento integralmente. Geralmente, são extremamente caros e fora do alcance do usuário médio.

EFEITOS DO JULGAMENTO DE HOJE

Evidentemente, as operadoras não iriam deixar prevalecer esse entendimento. Daí porque entraram com ação contra o entendimento exemplificativo, para que a justiça declare a lista taxativa.

A limitação da cobertura com o rol taxativo coloca as pessoas usuárias desse serviço em situação de extrema vulnerabilidade diante das operadoras de planos de saúde. O acesso a tratamentos e medicamentos, hoje protegidos pela Lei de Planos de Saúde e pelo Código de Defesa do Consumidor, pode ser negado, mesmo decorrente de prescrições médicas. 

“A mudança dessa interpretação, como propõem a ANS e as operadoras, colocaria todo o sistema em uma situação de insegurança. Tratamentos diversos poderão ser negados a famílias com respaldo jurídico e o problema repercutirá também no sistema público de saúde com mais sobrecargas”, afirma Ana Cristina Navarrete, coordenadora do Programa de Saúde do IDEC (Instituto de Defesa do Consumidor) . E completa: “O rol taxativo significa um retrocesso para os direitos conquistados em 1998”. 

O PROCESSO NO STJ

O julgamento do caso no STJ teve início em setembro de 2021, mas foi interrompido no mesmo dia por um pedido de vista da ministra Nancy Andrighi. O relator da matéria, o ministro Luis Felipe Salomão, manifestou-se e, em seu voto, acolheu o argumento das operadoras de que coberturas mais amplas gerariam desequilíbrio financeiro no setor. 

Porém, nos últimos 10 anos em que vigorou o entendimento pelo rol exemplificativo, o setor cresceu como um todo. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de 2014 a 2018, os lucros das empresas mais que dobraram. Além disso, a saúde suplementar foi um dos poucos setores que elevou seus ganhos durante a pandemia.

“Os argumentos de equilíbrio econômico das empresas são descabidos, como mostram os números da ANS, e não sustentam o argumento de colapso econômico comumente utilizados em prejuízo da saúde dos pacientes”, diz Navarrete.

Em fevereiro de 2022, o julgamento foi retomado no STJ e a ministra Nancy Andrighi abriu divergência dos argumentos de Salomão. Andrighi sustentou que a ANS não tem a prerrogativa de limitar o alcance das coberturas, quando a própria lei que regula o setor não o faz. A ministra também defendeu que o rol exemplificativo dá proteção ao consumidor contra a exploração predatória das empresas. Além disso, ela ainda utilizou dados do Ipea e da própria ANS para contestar a afirmação de que a manutenção do atual modelo encareceria as mensalidades dos planos.

A PROTEÇÃO DE TODOS OS CONSUMIDORES ESTÁ EM JOGO

O Idec (Instituto de Defesa do Consumidor) , instituição que luta pelos direitos de consumidores e que acompanha de perto o caso há anos, considera a mudança no caráter do rol um imensurável retrocesso aos direitos conquistados há mais de 20 anos. 

Se considerado taxativo, não haverá vitórias para a população, mas prejuízos sem precedentes em benefício de interesses estritamente financeiros por parte de empresas privadas – e com amparo jurídico. 

Para o Idec, que luta pelo rol exemplificativo,  é obrigação do Poder Judiciário garantir regras justas, que protejam todos os 49 milhões de usuários de planos de saúde – sejam eles pessoas com deficiências, autistas, com transtornos ou não – diante do interesse das empresas em reduzir suas obrigações e gastos assistenciais.

Caso contrário, o cenário será irreversível e os impactos serão múltiplos. E a ANS precisará arcar com as consequências de sua perda de credibilidade perante a sociedade de protegê-la e de fiscalizar os excessos das operadoras. 

REAÇÃO DO CONSUMIDOR

O Instituto Lagarta Vira Pupa emitiu Nota Pública contra a taxatividade do rol de eventos da ANS. A Nota é assinada pelas seguintes entidades e coletivos sociais: Autismo Niterói Trocas, Associação Amor RN, NAIA Autismo, Síndrome do Amor, Famílias que Lutam, Onda Autismo, Mães Atípicas RS, Brasil de Amigos, Bruno Henrique Advocacia, Advogado dos Autistas, Varella Guimarães Advocacia, Adriana Monteiro Advocaria e PCD Vale, externam por meio da presente Nota Pública sua profunda preocupação quanto ao impacto negativo que eventual  posicionamento em favor da Taxatividade do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça poderá causar aos mais de 48 milhões de usuários de Planos de Saúde do país, especialmente aqueles hipervulneráveis, como as Pessoas com Deficiência, Doenças Autoimunes, Crônicas e Demais Condições. 

Conheça o rol da ANS clicando neste link: O que é o Rol de Procedimentos e Evento em Saúde – ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar

Veja a íntegra da nota do Instituto Lagarta Vira Pupa neste link: Rol Taxativo Mata (lagartavirapupa.com.br)

Ativistas se acorrentam no STJ contra a taxatividade do Rol de Procedimentos da ANS

Fonte: IDEC