DIA DOS POVOS INDÍGENAS: COMO VIVEM OS ÚLTIMOS DE SÃO PAULO

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Maior metrópole do país abriga cinco terras indígenas cercadas por matas e rodovias movimentadas. Povo guarani mbya enfrenta na pobreza o desafio de conciliar tradição e modernidade.

Cabeça baixa mergulhada em um brinco quase terminado, a professora Priscila Poty reclama da percepção que os não indígenas têm do povo Guarani Mbya que vive com ela no extremo sul de São Paulo.

“Às vezes recebemos visita na aldeia, e muitos perguntam ‘cadê os índios?’ Muitos ainda têm uma ideia dos índios como na época quando os portugueses invadiram, como se não pudéssemos usar roupa, tem que andar pelado”, lamenta. “Só nos resta tentar dar uma orientação de que não é assim. Não é porque hoje indígena usa roupa, tênis ou celular que deixou de ser indígena”.

Priscila vive nas terras indígenas de Parelheiros, um mosaico de quatro territórios demarcados no sul da maior região metropolitana do país e que possuem 2.400 habitantes. As TI Tenonde-Porã, Krukutu, Rio Branco e Barragem ocupam juntas 19.052 hectares de cinco municípios chegando até a Baixada Santista.

Essa é uma conquista recente. Somente em 2016, foi declarada a TI Tenonde-Porã, que abrange quase 16 mil hectares. “Boa parte do que é indígena hoje é a luta pelas nossas terras, uma preocupação crescente, já que nunca sabemos até quando teremos esse espaço para o Nhanderecó, que é o modo de ser guarani”, explica Priscila.

Junto de mais moradores da aldeia, ela dá aulas no próprio idioma na escola estadual da aldeia. Mais povoada, a Tenonde-Porã funciona como uma espécie de centro das terras indígenas, concentrando a escola, duas casas de reza, uma unidade básica de saúde (UBS), 110 casas construídas pelo Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo (CDHU) e o Centro de Educação e Cultura Indígena (Ceci), criado em 2004 para ensino do idioma e da cultura guarani para crianças de 0 a 5 anos.

Pedro Werá, diretor escolar e liderança local, conta que um dos primeiros passos após a ampliação das terras a que tinham direito foi a criação de novas aldeias, espalhadas pelo território, com intuito de evitar a grilagem de terras. Com o avanço de São Paulo e São Bernardo sobre o território indígena, grileiros usam de violência para ocupar e revender terenos para sitiantes e pequenos fazendeiros. “Depois que se instalam, é muito difícil e perigoso”, diz.

Na Tekoa Porã, uma das aldeias criadas neste processo, Vicente Kuary se isolou com a família. “Agora que a cidade está mais perto, tem muito morador em volta da aldeia, e muita coisa chegando também, coisa ruim, tipo droga. Tudo isso que pesou para que eu me mudasse de lá”.

ALDEIA CERCADA PELA CIDADE

Postos de empregos privados e comércios são virtualmente inexistentes nas terras indígenas da metrópole. Sem áreas de plantio ou renda sólida, a população depende de programas como o Bolsa Família, doações de cestas básicas, e o recém-criado POT (Programa Operação Trabalho) da prefeitura de São Paulo.

A 45 quilômetros dali, no extremo norte de São Paulo, três aldeias tentam o plantio de milho e outras culturas tradicionais aos pés do Pico do Jaraguá, ponto mais alto da capital. Ao todo, sete aldeias se espalham por um território de 532 hectares, declarado em 2015, porém revogado em 2017, quando foi reduzido ao 1,7 hectare registrado em 1987.

A única aldeia dentro desta área é hoje chefiada pela Araju Apolinário, neta da primeira cacique mulher do povo guarani. Na aldeia Ytu, a única produção de alimentos é uma pequena horta criada recentemente. Uma deficiência que ela reconhece.

“Muitos perguntam por que criamos uma aldeia em meio à cidade, quando na verdade a cidade que foi crescendo até nos rodear, ao ponto de não podermos mais usar a água do ribeirão das Lavras como faziam meus avós”, lamenta ela.

“Hoje em dia estamos dentro da rotina convencional, porque mesmo os que estão dentro da aldeia fazem trabalhos que não são da nossa cultura. Acorda, vai pro trabalho, volta, mas uma das coisas que não deixamos de fazer é frequentar a casa de reza ao entardecer”.

Uma das vizinhas de Araju, a professora de cultura indígena Jaci avalia o desafio de viver “a dez passos da cidade”: “A cultura guarani ensina que cada um tem que morar longe do outro, com espaço para si; mas aí vemos a realidade dos indígenas daqui, que é como se fosse uma favela, com casas, barracos, um ao lado do outro”.

O ribeirão que banha as aldeias, e corre até o aeroporto de Guarulhos, tem este nome por conta da exploração de ouro pioneira na região. O português Afonso Sardinha retirara o minério já no século 16. Apenas cem depois seriam descobertas as Minas Gerais, pelos bandeirantes paulistas — exploradores responsáveis pela expansão territorial do país, e também pela escravização de milhares de indígenas, a maioria guaranis.

Uma mágoa que os moradores do Jaraguá não esquecem até hoje, e que as rodovias que cercam e sufocam o território não ajudam a apagar. Com o nome de Bandeirantes e Anhanguera, elas homenageiam aqueles a quem os povos originários chamam de “assassinos”.

(Fonte: Como vivem os últimos indígenas de São Paulo – DW – 17/04/2024Gustavo Basso – Foto: Ribeirão das Lavras corre por aldeia indígena / Foto: Gustavo Basso)