ESTUÁRIO DE SANTOS: UM DOS LUGARES DO MUNDO MAIS CONTAMINADOS POR MICROPLÁSTICOS
Microplásticos encontrados nos moluscos não foram originados dos pellets e, sim, de fibras têxteis, vindas de lavagem doméstica de roupa; grande parte das nossas roupas é sintética (plástica) e quando lavadas, soltam microfibras que vão para o esgoto e daí para o mar.
Estudo realizado na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) revela que o estuário de Santos, no litoral paulista, é um dos locais mais contaminados por microplásticos do mundo atualmente. Na pesquisa, foram avaliadas três áreas: a região da balsa Santos-Guarujá, a praia do Góes e a ilha das Palmas.
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores compararam dados internacionais, publicados anteriormente em mais de cem estudos de 40 países, com amostras de ostras e mexilhões coletados nessas três regiões durante o mês de julho de 2021.
O ponto em que foi observado maior nível de contaminação foi a área da balsa. Nesse trecho, os animais avaliados apresentaram o pior estado nutricional e de saúde, com uma média que variou entre 12 e 16 partículas plásticas por grama de tecido.
“Em um dos mexilhões, nós encontramos mais de 300 microplásticos por grama. É importante destacar que o ponto de coleta do Góes era uma comunidade tradicional de pescadores até bem pouco tempo. Hoje, vivem cerca de 300 pessoas ali, uma praia que é meio afastada e só dá para chegar de barco ou por uma trilha. Muito provavelmente, [essas pessoas] consomem esses animais na dieta, tendo em vista que esse paredão rochoso é de fácil acesso aos pescadores”, destaca Victor Vasques Ribeiro, doutorando no Instituto do Mar (IMar-Unifesp).
O estudo publicado na revista Science of the Total Environment – Oysters and mussels as equivalent sentinels of microplastics and natural particles in coastal environments – foi conduzido durante o mestrado de Ribeiro, com apoio da Fapesp.
Como explicam os autores, estuário é um ambiente aquático de transição entre um rio e o mar, que acaba sofrendo a influência das marés e apresenta áreas de grande variabilidade que possuem desde águas doces, na região da cabeceira, passando por águas mais salobras, até chegar às águas marinhas, próximo à sua desembocadura.
Esses ambientes mantêm um dos ecossistemas mais importantes do país, os manguezais, que servem de abrigo e berçário para um grande número de animais.
O estuário de Santos, localizado na região metropolitana da Baixada Santista, abriga o maior porto da América Latina e está sob a influência direta de descargas de resíduos industriais e domésticos dos municípios ao seu redor.
Ostras e mexilhões: sentinelas da contaminação
“Da minha perspectiva, nenhuma surpresa”, afirma o professor da Unifesp Ítalo Braga de Castro sobre os resultados divulgados no artigo. “Como eu já estudava outros contaminantes, via que essa região era recordista de contaminação também para outras substâncias químicas perigosas. Aqui, nós temos o porto mais movimentado da América Latina e um dos maiores adensamentos urbanos brasileiros“, explica e acrescenta:
“Santos é uma cidade populosa: considerando toda a Baixada Santista, temos algo em torno de 1 milhão de habitantes. Tudo isso contribui para que o estuário seja alvo do lançamento de várias substâncias químicas perigosas e resíduos, que vêm das atividades domésticas e industriais, além do transporte de materiais plásticos no mar”.
O diferencial desta pesquisa, segundo Castro, foi mostrar que tanto as ostras quanto os mexilhões funcionam como sentinelas da contaminação. A conclusão se baseia em experimentos feitos com duas espécies: a Crassostrea brasiliana, popularmente conhecida como ostra-de-pedra, e o Perna perna, ou mexilhão marrom.
“A partir disso, podemos ampliar a pesquisa, usando os dois organismos para medir, historicamente, as mudanças que têm ocorrido no nosso território”, destaca Castro.
Agora, durante o doutorado de Victor Vasques Ribeiro, o grupo pretende, com apoio da Fapesp, estender a análise para os estuários do Ceará, Pernambuco, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
Animais bivalves
Como ostras e mexilhões filtram a água para se alimentar, os pesquisadores imaginaram que seria interessante investigar se esses animais poderiam ser utilizados como uma espécie de ferramenta para ajudar a medir a contaminação por microplásticos também em outros locais do país, ajudando, assim, a monitorar a contaminação nas zonas costeiras.
“São espécies que não se locomovem, vivem a vida toda aderidos a um costão rochoso, a uma superfície dura de uma ponte ou de um píer. Então, são extremamente expostos à contaminação desses locais e, como se alimentam por filtração, acabam retendo as partículas em seus tecidos”, explica Castro à Agência Fapesp.
Durante o estudo, foram medidos comprimento, largura, altura e peso de conchas e tecidos. Também foram analisados o estado de nutrição e saúde desses organismos.
Políticas públicas
Para o orientador da pesquisa, é importante destacar que contaminação é diferente de poluição.
“A gente só fala em poluição quando há um dano. O estudo não avaliou o dano, só a ocorrência. As pessoas usam como sinônimos, mas os termos têm significados diferentes”, explica o professor da Unifesp.
Um dos achados que chamou a atenção dos pesquisadores foi o número de fibras incolores de tamanho entre 10 e 1.000 μm (micrômetros) encontradas na análise das ostras e dos mexilhões, além de compostos de celulose e acrílico, provavelmente vindos da poluição do estuário pelo lançamento de esgotos domésticos que contêm resíduos de lavagem de roupas.
“As fibras têxteis têm sido apontadas como o tipo mais comum de microplásticos encontrados em zonas com altos índices de ocupação urbana”, observa.
O professor explica que, toda vez que um navio transporta matéria-prima para a produção de plásticos, ele deixa escapar pequenos pedaços.
“São bolinhas de plástico, chamadas de pellets, que vêm nos contêineres. Durante as operações de carga e descarga, muitas dessas bolinhas acabam escapando para o ambiente, contaminando o estuário e as praias da região com esse material. No entanto, os microplásticos encontrados nos moluscos não foram originados dos pellets e, sim, de fibras têxteis”, salienta Castro.
A fonte provável, segundo ele, é a lavagem doméstica de roupa. “Hoje em dia, grande parte das nossas roupas é sintética, portanto, plástica. Quando você as lava, muitas dessas fibras se soltam e caem na rede de esgoto, onde o resíduo é lançado. Como não tem tratamento nas estações para remover essas partículas, elas acabam contaminando o ambiente”, ressalta o pesquisador.
Por isso, segundo o grupo de pesquisa, além de fornecer as bases para estudos futuros, o objetivo deste levantamento também foi o de reunir dados para ajudar a pautar novas políticas públicas para saneamento básico em todo o Brasil, tendo em vista que, atualmente, a legislação não exige a remoção dos microplásticos dos efluentes.
Por enquanto, o que temos é a Lei Nº 7.661, de 16 de maio de 1988, que estabelece regras para o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, além da Constituição Federal, que também protege o meio ambiente. “Não é uma ilegalidade, embora seja um absurdo, por gerar um impacto para a saúde do estuário, dos organismos e, na ponta final, para saúde das pessoas”, conclui o cientista.
(Ag. Fapesp -Foto: divulgação/pesquisadores)