MÊS DE ANIVERSÁRIO DE COTIA – 2: ANTES DA FREGUESIA, A KOTY OU ACUTIA

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Antonio Melo, especial para o Cotiatododia

Escrevemos que sobre a elevação da Freguesia de Cutia a Vila, pela Lei Provincial n.º 7, de 2 de abril de 1856. Em ofício de 3 de janeiro de 1857, a Câmara Municipal de São Paulo comunicou a instalação da nova Câmara da Vila, dando posse ao seu primeiro presidente, o vereador eleito José de Araújo Novaes.

Antes de 2 de abril de 1856, a povoação de Cutia era a Freguesia de Cutia, que, segundo o SEADE, é Circunscrição eclesiástica que forma a paróquia; sede de uma igreja paroquial, que servia também, para a administração civil; categoria oficial institucionalmente reconhecida a que era elevado um povoado quando nele houvesse uma capela curada ou paróquia na qual pudesse manter um padre à custa destes paroquianos, pagando a ele a côngrua anual; fração territorial em que se dividem as dioceses; designação portuguesa de paróquia.”

Ou seja, antes de 2 de abril de 1856, na freguesia não existiam autoridades municipais próprias nem Câmara, nem prefeito (intendente, à época), passando a tê-lo em razão da Lei Provincial no. 7, de 2 de abril daquele ano.

Voltemos no tempo. E antes de ser Freguesia, o que era Cotia?

Desta vez, vamos recorrer aos notáveis conhecimentos do historiador João Barcellos (Cotia, Uma história brasileira, 3ª. edição), transcrevendo alguns trechos de sua obra, mantendo a fidelidade às pesquisas empreendidas pelo autor, que nos mostra, a princípio, que os indígenas transitavam pelo Brasil todo pelo Piabyu – chamado também de Peabiru, caminho que teria sido aberto na América do Sul “cerca de 800 a 1200 anos antes da chegada dos europeus. Algumas referências místicas dão conta do Piabiyu como um “caminho inca”, pela presença constante de uma figura chamada Sumé nos relatos nativos…, a ponto de os padres jesuítas tentarem transformar esse Sumé em São Tomé, como forma de catequização cristã- colonial dos nativos mais próximos, ou já aculturados numa primeira fase.”

E os indígenas migravam por esse caminho, que significa “Caminho do Peru // Caminho Feito no Pé), “tendo as suas  Koty …] como aldeias de entroncamento e pontos estratégicos de alerta, defesa, além de pontos logísticos de abastecimento que, mais tarde, vão ensinar o europeu a sobreviver na região, enquanto colono e enquanto colonizador, aqui, já no âmbito expansionista da ação bandeirista”.

Ou seja, não existiu apenas uma Koty ou Acutia – eram muitas, já que serviam de pontos logísticos de abastecimento para os deslocamentos dos indígenas. Tanto é, narra Barcellos, que o alemão Hans Staden, que foi prisioneiro de uma tribo carijó, conheceu a aldeia chamada Acutia no sul e no extremo brasileiro do Piabiyu; outro alemão, Ulreich Scmidel, fez também a viagem pelo Piabiyu, a pé, e encontrou outra Acutia e mais carijós na saída do sertão dos carijós para o planalto de Piratininga. 

Consequentemente, a nossa Koty não era única; era, sim,  apenas um ponto de passagem no Caminho do Peabiru, partindo do litoral e avançando pelo sertão afora, com algumas ramificações; menciona-se que o Caminho do Peabiru avançava até o Peru, donde alguns concluem que haveria um intercâmbio entre os nossos indígenas e os incas. 

A MUDANÇA DE KOTY DO CAIAPIÁ PARA O ATUAL LOCAL

Recorremos novamente à lição de João Barcellos, obra citada, sobre o panorama da época e onde nossa Cotia se encaixava – ou seja, mais um dos muitos “pontos estratégicos da logística piabiyuana” (entreposto na estrada de Peabiru):

Essa Piratininga ficava numa trilha entre os rios Tamandutaeí e Anhangabaú por onde circulavam os nativos, principalmente os guaranis e os tupis, que migravam constantemente pelo Piabiyu, cujas Kotys eram então pontos estratégicos da logística piabiyuana. Essa Piratininga foi ponto de encontro para troca de víveres e de comunicação entre sul-americanos.”

(…)

“A aldeia Carapochuyba é a primeira parada obrigatória, porque, ao lado da aldeia guarani Koty, é     também um entroncamento terrestre e fluvial tão importante que só [d]aí é possível perspectivar outras possibilidades de expansão, além da ligação ao planalto piratiningo via Cutaúna.

Entretanto, os jesuítas talvez tenham utilizado a Koty por algum tempo, pois, foi aldeia importante      por muitos anos, até ser abandonada e, depois, mudada para perto da nascente do rio que atravessa: algumas sugestões apontam até a Koty como o primeiro posto avançado jesuítico em terra guarani e no planalto itaquiano, mas é pouco provável que o olhar de Nóbrega tenha parado por aqui muito tempo, porque esse olhar além quer, então, um contato mais interiorano, e vai até próximo de Arassa-y [do tupi-guarani, q.s. “rio do araçá”], aldeia na margem esquerda do rio Anhamby, sob o morro do Ibituruna, e avança para as bandas de Jundiaí onde consegue, enfim, e ao que parece, estabelecer o contato tão desejado.” 

 

Grifamos o trecho da mudança, já que é a primeira menção da mudança de local da “Koty” primitiva, que estava localizada no Bairro do Caiapiá (então sertão de Carapicuíba (Carapochuyba), para o local atual.

Mapa de José Custódio de Sá e Faria e perspectiva idealizada

da velha Capela de Nª Sª do Monte Serrat de Koty, no Séc. 16 e ainda no certam de Carapochuyba

(Crédito: João Barcellos, “Cotia, Uma História Brasileira”, 3ª. ed.,)

A função da aldeia guarani Koty do “sertão carapicuibano” era logística, segundo Barcellos, que narra que a nossa Koty foi um núcleo de ligação entre as ramificações do Piabiyu ou Peabiru.

Barcellos ensina que a aldeia era um ponto estratégico, a dois passos da aldeia de Carapicuiba, que também era um portinho de ligação ao rio Anhembi, atual Tietê. “E tudo podia ser, então, vigiado a partir do Pico do Jaraguá. Por isso, a Koty era um ponto vital de ligação entre os povos diversos que atravessavam o Piabiyu em direção a planalto de Piratininga, o que faziam o caminho inverso na direção dos campos cortados [Sorocaba], no lado sul, e Guairá, ou na ligação dos sorocabanos para Araratiguaba [hoje, Porto Feliz], o mais importante portinho do Anhemby na ligação aos paranás. Abastecimento e cobertura logística foi o papel que coube à Koty daquela época, a montante no sertão da Carapochuyba, porque pela aldeia dos guaranis podiam os povos ir ao Anhamby [Tietê] ou seguir a trilha do Piabiyu até ao Jeribatyba [rio Pinheiros], na entrada do planalto.”

Não esqueçamos que essa primeira povoação foi fundada aos paulistas Fernão Dias Paes e Gaspar de Godói Moreira, os quais, durante algum tempo, pagaram à sua custa o sacerdote que administrava o pasto espiritual, e isto teve lugar de 1640 a 1670.

Temos então que a Koty, nossa atual Cotia, já era conhecida desde os primeiros 60 anos após o descobrimento do Brasil e de 1640 a 1670 teve um sacerdote pago pelos fundadores. Mas havia necessidade de espaço e o local onde ela se encontrava (sertão carapicuibano, atual Caiapiá) não permitia a expansão agrícola com fazendas de grande produção.

Optou-se então por mudar a Koty, que era, desde o século XVII,  a aldeia da Capela de Nª Sª do Monte Serrat d´Acutia, para o sertão itapecericano, até pela importância que ela já ostentava na movimerntação das tropas de animais entre o sertão e o planalto de Piratininga.

Vamos novamente recorrer a Barcellos:

“E a Koty guarani? Entre o planalto piratiningo, através de Ybitátá e da Carapochuyba, a Koty/Acutia acabou sendo uma reserva estratégica de sustentação das tropas, e, por isso, é que no início do Séc. XVIII, cerca de 1703, a aldeia da Capela de Nª Sª do Monte Serrat d´Acutia, sofre uma alteração geográfica: do sertão carapochuybano passa para o sertão itapecericano, tendo o rio d´Acutia como referência e esquina histórica. A localização da aldeia nativa, perto da campina do Caiapiã, não permitia a expansão agrícola com fazendas de grande envergadura produtiva, e o sertão de Itapecerica oferecia esse espaço aos “coronéis da terra”. E se a Via do Ouro e do Ferro se deu às margens do Anhamby, essa também foi uma das razões que afastou os jesuítas e sua intervenção urbanístico-rural da Cotia “abastecedora”, ainda no sertão carapochuybano.”

A escolha do local atual foi determianda pelo “senhorio colonial absolutista”, como diz Barcellos, que escolheu o alto de uma colina, formando-se então a Paróquia-Aldeia de Nossa Senhora do Monte Serrat d´Acutia.

Segundo o historiador, “Toda a reconstrução da (nova) aldeia obedeceu ao assentamento luso-católico de cujo absolutismo colonial-agrário se pinçou o ideal arquitetônico visível nas fazendas ´Mandu´ e ´Morro Grande / Casa de Roque de Medella´ (Sítio do Padre Inácio – NR) , além da escolha do ´sitio´: uma colina entre Sam Paolo dos Campi de Piratininga e o entroncamento logístico Ribeirão da Vargem Grande (Vargem Grande, Ibiúna e São Roque). E, até hoje, a Acutia/Cutia/Cotia é um ponto de passagem na Grande São Paulo.” 

Essa é a descrição de Cotia pré-freguesia; com a sua elevação a Freguesia, em 1723, inicia-se o segundo ciclo de sua história.

 (Continua)